Divagações: Sobre Danças e Super Heróis

Saudações.

Desta vez vou falar um pouco sobre o uso extensivo da dança em vários seriados de super heróis japoneses. Não pretendo chegar a conclusões ou dar uma resposta definitiva para o assunto, mas sim fazer um apanhado e tentar entender.

Nesses últimos anos tem sido muito usadas danças no encerramento das séries Super Sentai. Pensei "O que heróis têm a ver com dança? Por que colocá-los dançando?" E vejo que elas fazem sucesso, pois as crianças fazem de tudo para aprender os passos e até existem livros ensinando, o que engorda as receitas da Toei. E também estão disponíveis vídeos instrutivos no Canal Oficial no YouTube.

No começo estranhei, afinal isso era uma coisa que não tinha antigamente e resolvi investigar. Encontrei parte da resposta na entrevista de Atsutoshi Umezawa, que assumiu as séries Precure a partir de 2009. Ele fez várias pesquisas e descobriu que havia um aspecto que diferenciava as crianças de agora das de antigamente: o gosto pela Dança. Sendo assim, ele decidiu incorporar esses elementos às séries Precure, usando vinhetas animadas com computação gráfica, para mostrar melhor os passos, e até mesmo pedindo permissão aos administradores de cinemas para permitir que as crianças pudessem dançar acompanhando as personagens em filmes. E todas as danças eram feitas por coreógrafos profissionais, como Ken Maeda.

Isso não era novidade. Há alguns anos esse recurso foi usado pela Tsuburaya Productions em um curta-metragem exibido com o segundo especial de cinema de Ultraman Cosmos de 2002, intitulado 新世紀ウルトラマン伝説 (Shinseiki ULTRAMAN Densetsu, algo como "Ultraman A Lenda do Novo Século") que intercalava cenas com os Heróis Ultra dançando. O impacto visual era forte, mas notei que a coreografia era bem feita, com referências aos movimentos dos Ultras e de alguns inimigos, como o Alien Baltan. E no final até havia uma parte com instruções de como fazer os passos. Tratava-se do "Ultraman Exercise", uma dança simples, desenvolvida de modo que qualquer criança poderia aprender. Isso teve boa aceitação pelo público infantil, e no ano seguinte foi feito o 新世紀2003ウルトラマン伝説 THE KING'S JUBILEE (Shinseiki 2003 ULTRAMAN Densetsu), com um torneio de dança em times comemorando o aniversário de trezentos mil anos do Ultraman King. E vieram muitos outros nessa modalidade 体操 (Taisou, "Exercício") ou "Exercise", praticados até hoje em shows e eventos como o Ultraman Festival.

Leo Taisou, com Leo, Astra e a campeã de Karatê Yuka Kobayashi.

As Séries Super Sentai passaram a adotar a dança de encerramento de forma mais ostensiva a partir de Dekaranger em 2004, com uma coreografia feita por uma profissional do ramo, Noriko Toyoda. Anteriormente, esse elemento já estava presente no especial de cinema de Hurricaneger, de 2002 e parcialmente em Abaranger, de 2003. Em Kakuranger, de 1994, essa dança era feita pelos vilões e em Megaranger houve um encerramento com os heróis dançando, limitado ao período de verão, remetendo ao tradicional Bon Odori. Ainda, há registros em Jetman, Dairanger e Sun Vulcan de danças na modalidade "Exercise" como a de Ultraman, com passos que remontam às poses dos heróis. E também em um episódio e na abertura do especial de cinema de Maskman são mostrados os heróis dançando.

A história da dança em programas de Super Heróis na verdade é mais antiga ainda. Lá no fim dos anos 1970, houve a ideia de se fazer um grupo de heróis que usavam esse elemento, o Battle Fever J. Tohru Hirayama fala um pouco desse seriado em sua autobiografia.

O renomado produtor teria se inspirado em Saturday Night Fever (Os Embalos de Sábado à Noite, no Brasil), que fez bastante sucesso também no Japão. Parte da ideia também veio de um trecho do romance literário Musashi, de Eiji Yoshikawa em que o divino espadachim Musashi Miyamoto se encontra com a cortesã Yoshino Dayuu. Musashi contempla a dança de Yoshino e percebe que ela era fluida e não deixava aberta nenhuma brecha. Exatamente como deveria ser a movimentação de um espadachim e que isso foi um dos elementos que ele usou para desenvolver seu estilo.

Mas Hirayama enfrentou oposição de seu superior Yoshinori Watanabe, que dizia que heróis não devem usar "algo tão mole quanto dança" para lutar, apesar de ter gostado da ideia de usar a palavra "Fever", pois estava na moda na época devido ao filme. Watanabe só permitiu prosseguir sob a condição de se tirar a dança da luta, o que teve de ser acatado. Com isso, segundo Hirayama, os movimentos ficaram confusos, sem sentido. E o produtor comenta que se lamentou, pois se tivesse insistido poderia ter descoberto novas possibilidades para as cenas de ação. Hirayama era um visionário, mas nem sempre era compreendido.

Battle Fever J

Mas o que explica o gosto pelas crianças de agora pela dança? Um fator é que em anos recentes aumentou o número de grupos artísticos que tem a dança, e não o canto, como principal atrativo, como o EXILE e mais tarde o AKB48. Eles fizeram um enorme sucesso entre os jovens e as crianças, que aprendem os passos imitando seus ídolos e isso perdura até hoje.

E ainda, jogos de dança como o Dance Dance Revolution ganharam destaque, atraindo o consumidor casual. No começo era com tapetes ou pisos sensores, que apenas captavam as posições dos pés, mas atualmente podem ser usados controles com câmeras para monitorar todo o corpo e com isso executar os passos com mais fidelidade. Esses jogos também tiveram bastante aceitação por parte dos jovens.

E a partir de 2012, a Dança se tornou parte do currículo obrigatório de Educação Física nas escolas do Japão (anúncio do Ministério da Educação, Cultura, Esportes, Ciência e Tecnologia), junto com  as Artes Marciais. O objetivo da Dança seria o de estimular as capacidades de comunicação e de expressão corporal. O aluno pode escolher entre danças de "Estilo Livre", "Folclórica" e "Moderna". No começo houve alguns problemas, como a falta de profissionais capacitados, sendo que tinham casos de alunos saberem mais do que os professores sobre o assunto. Outro empecilho foram os critérios de avaliação a serem adotados, que seriam altamente subjetivos. Ainda, alguns alunos estranharam a implementação, especialmente os do Ginásio e do Colegial, mas no Primário teve boa aceitação.

Com tudo isso, percebo que as danças em programas de Super Heróis têm fundamento. Foi tudo dentro de um contexto para se adequar aos gostos das crianças de agora, que curtem a Dança. Como era nos antigos programas nos anos 1970 e 1980 em que, por exemplo, as canções eram bem próximas ao Pop e ao Rock japonês (antes de se chamarem J-Pop e J-Rock, respectivamente), e diferentes das dos anos 1960 que lembravam marchinhas ou canções infantis. Cada época tem seus elementos culturais, que se refletem nessas obras e a Dança é um deles. Não posso dizer que isso é bom e nem que é ruim. Apenas que entendi a situação e consigo aceitá-la melhor.

Keiichi Wada (Ryuranger), Teruaki Ogawa (Ninja Red), Masaru Shishido (Oh Red),
Kazuo Niibori (o dublê conhecido como "Red Guy") e Touta Tarumi (Red Flash)! Os veteranos também entram na dança!