Saudações.
Desta vez vou falar de uma curiosa minissérie Tokusatsu feita pelo setor educativo da emissora estatal japonesa NHK homenageando(?) o famoso artista Taro Okamoto.
"Nos anos 1970, algo bizarro começou a atacar o mundo. Esse estranho ser de aparência vanguardista que surgiu de repente seria um alerta para a humanidade que derruba florestas para construir prédios?
Algo tão surreal só pode ser detido por uma coisa ainda mais surreal. Mas existe algo mais absurdo que isso?
Sim. É o Gigante da Arte, TAROMAN"
- Tradução rudimentar de trechos do começo do primeiro episódio.
Uma obra de Tokusatsu tem sido bastante discutida pelos fãs mais aficionados do gênero no Japão. Não se trata de Ultraman Decker ou Don Brothers, nem Kamen Rider Revice ou o vindouro Kamen Rider Geats. Mas sim TAROMAN, que conta as aventuras(?) do personagem-título, vindo do planeta Surrealism e se deparando com estranhos seres, as Feras Bizarras.
A minissérie teve um total de dez episódios, todos de aproximadamente cinco minutos cada. Foi exibida no Japão pela NHK em 19/07/2022 e está disponível no Canal Oficial da emissora no YouTube, porém sem legendas para outros idiomas e por alguma razão os capítulos são divididos em duas partes.
O que é isso!
Cada episódio começa com o surgimento de uma Fera Bizarra, um "monstro" baseado nas obras de Taro Okamoto, tendo como fundo a frase なんだこれは!(Nanda kore wa! "O que é isso!") cantada em um ritmo semelhante ao "Wandaba" de O Regresso de Ultraman. Taroman enfrenta a Fera Bizarra com movimentos que parecem aleatórios e são raras as vezes em que ele realmente "luta" contra o oponente.
Mas no final, o personagem acaba destruindo a Fera Bizarra emitindo uma estranha onda que lembra manchas de tinta enquanto entoa o grande lema de Taro Okamoto de "Arte é Explosão" com a voz do artista. Nisso, a Fera se desmancha, se transformando em tinta que cai em cima da cidade.
Na verdade, Taroman não é exatamente um "herói", visto que ele esmaga caminhões quando chega e algumas vezes destrói coisas de forma deliberada. Ele até chega a salvar um avião de cair, para depois jogá-lo fora como um brinquedo usado. E em quase todo episódio, cai em cima de um prédio, destruindo-o, para desespero do possuidor do imóvel e seu secretário.
É porque Taroman é tão somente a representação das ideias de Taro Okamoto e age seguindo sua filosofia. Para isso ele chega a fazer de tudo para perder de um monstro, pois derrotá-lo como "é de costume" incorreria em cair na mesmice, algo que Okamoto abominava. Ou a desagradar o povo que torce por ele, pois agradar os outros significaria se degradar, segundo o artista. E até mesmo a recusar a ajuda de um semelhante e destruí-lo, por não suportar uma imitação de si mesmo.
Estética Retrô
A estética é a das séries de Tokusatsu dos anos 1970 como a 2ª Fase das Séries Ultra (de Regresso até Leo) ou Mirrorman, Aizenborg e outros. A qualidade de imagem e de som são degradadas de propósito e até o aspecto da tela é de 4:3. A série é apresentada como algo que passou na TV japonesa em 1972, sendo que no fim de cada episódio era exibida uma entrevista com o músico Ichiro Yamaguchi contando suas lembranças (fictícias) de quando era pequeno e via o seriado.
Os personagens também são típicos dos seriados da época como os membros da CBG (Chikyu Bouei Gun ou "Exército de Defesa da Terra" em japonês). Tem o capitão que lembra Muramatsu, de Ultraman e um membro que lembra Ide, mas de bigode e não constrói nada de especial.
Tem ainda o membro feminino, Mami (a única que tem um nome), um garoto, e um soldado que por alguma razão sai de cena quando o Taroman aparece (embora depois seja mostrado que ele e o gigante não são a mesma pessoa). Existe ainda um andarilho no melhor estilo Ken Hayakawa, de Kaiketsu ZUBAT e Gentaro Shizuka de Iron King, que no fim acaba não tendo nenhuma relevância na história
Outro personagem frequente é o Dr. Takatsu, que ora aparece como comentarista de TV, ora ajudando a CBG, sempre fazendo citações a Taro Okamoto explicando(?) a situação. O figurino remonta aos anos 1970 e até a entonação de voz é típica dos personagens dessa época, o que é bem perceptível quando Mami e o menino falam.
Os efeitos especiais são propositadamente toscos, com miniaturas de veículos feitas reaproveitando materiais como copos ou latas, que pode ser visto na base da CBG ou nos caminhões que Taroman pisa em quase todos os episódios. E nem sequer esconderam os fios usados para fazer os veículos voarem e os objetos flutuarem.
Mas TAROMAN não fica só na tosquice. A disposição das miniaturas emulam as séries de Tokusatsu dos anos 1970 para dar a ideia de gigantismo, colocando os prédios na frente e os personagens no fundo, com a câmera em perspectiva, olhando de cima para baixo. O seriado teve consultoria da Tsuburaya Productions, que aparece nos créditos como "Colaboração de Pesquisa".
A bem da verdade é assim nos seriados Ultra atuais. |
Também são usadas várias técnicas de efeitos especiais tanto digitais como analógicas incluindo claymation. E existem ideias muito interessantes como colocar miniaturas de prédios em uma plataforma giratória para dar a impressão de velocidade quando o personagem está correndo em uma perseguição a uma Fera Surreal no episódio 5.
Dá um efeito bem interessante. O ideal é ver se movendo. |
Um aproveitamento da técnica, como se estivesse filmando por baixo. |
Para se fazer os cenários também são usados materiais cotidianos como uma bandeja plástica ou uma almofada para crianças de uma forma bem imaginativa. Aqui se vê o espírito de emulação da época em que também se valiam de muita improvisação e criatividade, ao mesmo tempo em que se usa técnicas modernas como o chroma key mais caprichado.
A composição, a direção e o character design são de Ryo Fujii, criador de vídeos que trabalhou em vários comerciais, famoso por suas obras altamente criativas e cheias de besteirol. Um exemplo é um comercial da Nihon Kensetsu Kougyou, com a estética de desenhos animados antigos. Alguns de seus trabalhos podem ser conferidos na página de sua empresa, a GOSAY Studios. Com eles dá para ver que ele realmente era o mais indicado para conduzir o projeto.
Arte é Explosão
Taro Okamoto foi um artista japonês nascido em 26/02/1911 e falecido em 07/01/1996. Seu grande lema era que "Arte é Explosão" e sua profissão era "Ser Humano". Desde criança sempre foi rebelde e se recusava a acompanhar as aulas por "não querer se conformar". Daí já se via que ele não era uma pessoa comum.
Estudou na França nos anos 1930 a 1940, onde teve contato com os movimentos de arte abstrata e surrealismo e teve grande influência de Pablo Picasso. Ao ver um de seus quadros em 1932, ficou chocado e se emocionou tanto que saiu do museu em lágrimas. Nisso ele jurou que um dia superaria Picasso com algo totalmente diferente. Então, aos 25 anos de idade apresentou sua primeira obra, "Braço Ferido".
Okamoto tinha o pensamento de que a Arte era Vida, que tinha que ser vivida em sua total intensidade. Era preciso criar, sem se preocupar em ser algo "bem feito", "bonito" ou "agradável". Devia ser algo que gerasse impacto, inesperado, imprevisível, incompreensível. Ser movido por instintos primitivos, fugindo da razão. Daí da arte ser uma explosão. E o desafio era fazer algo absurdo, que incitasse quem visse a dizer "O que é isso!".
Para criar, o artista teria que se isolar do resto das pessoas e se mostrar como realmente é, sem ter medo de ser odiado, e isso é o que lhe daria liberdade. A Arte é uma brincadeira a ser levada a sério, apostando a própria vida, sendo que o artista preferiria morrer a se repetir e usar sempre as mesmas fórmulas (ou alguma). Embora seja visível que ele tinha um "estilo".
Okamoto apresentou trabalhos de pintura e escultura, como "Criança Terrível", "Lei da Selva", "Alegria - O Sino do Templo", "Mão Vermelha" e "Mão Azul". Mas não colocou quase nenhuma de suas obras a venda. Segundo ele, a Arte pertence ao povo, à população, à sociedade e não deve ser propriedade de poucos. Ela deve ficar à mostra e fazer parte da vida das pessoas.
Okamoto teve grande participação na cultura japonesa, criando obras como a Torre do Sol na Japan World Exposition de 1970 em Osaka e que se tornou um dos símbolos da arte contemporânea do país. Mas apesar da semelhança, o Taroman é baseado em seu protótipo, a "Torre do Sol Jovem", exposta na Japan Monkey Park, na província de Aichi.
Também participou do filme de Tokusatsu 宇宙人東京に現る (Uchuujin Toukyou ni arawaru, ou "Alienígenas Surgem em Tóquio"), de 1956, o primeiro do gênero a ser feito a cores no Japão, mais tarde exibido no exterior como Warning from Space. Okamoto fez os designs dos Pairanos, alienígenas que vêm para alertar a humanidade sobre a colisão com um enorme planeta fora de órbita.
Escreveu vários ensaios, deu entrevistas e aparecia em programas de variedades, fazendo contato com pessoas do meio artístico como o ator Yujiro Ishihara. Mas sempre mostrava seu lado excêntrico, que era sua marca registrada. E agora é um dos artistas japoneses mais conhecidos.
Tokusatsu de Arte?
TAROMAN é tão somente uma transposição das ideias e das obras de Taro Okamoto para o Tokusatsu. De fato, tudo gira em torno do artista. Não só Taroman, como também o narrador e os personagens frequentemente citam trechos dos escritos e discursos de Okamoto para "explicar" a situação. E isso muitas vezes acaba servindo de desculpa para as ações dos personagens ou para o que acontece, já que "era o que dizia Taro Okamoto"
Mesmo com poucos capítulos de curta duração é construído um mundo bizarro, estranho, perturbador e ao mesmo tempo instigante devido às ideias do artista, que dão o que pensar. E fez um inesperado sucesso, sendo que só o preview teve mais se 800 mil visualizações e a série teve sessões de reprises logo depois da exibição do último episódio na TV.
Também está em andamento, na data desta matéria, uma exposição temática da série com as obras de Taro Okamoto passando por Osaka, Tóquio e Aichi, com vendas de produtos relacionados que remontam aos anos 1970, assim como materiais de making. Shuichi Miyawaki, presidente da Kaiyodo, que forneceu materiais para a criação do seriado, também mostrou interesse em lançar figuras do personagem.
TAROMAN é um universo estranho, bizarro, psicodélico e estranhamente viciante. É também uma boa porta de entrada para saber mais sobre Taro Okamoto, um artista excêntrico, rebelde, que dizia que Arte é Explosão. E talvez seja esse o intento do seriado.
......Ou não. Vai saber?
Arte é Explosão |
Ao escrever esta matéria fiquei pensando se alguém irá ler ou se vai descartar como algo inútil. Hesitei, mas percebi que posso "cantar minha canção", mesmo sendo alvo de riso e chacota. Não devo ficar preso ao que os outros vão pensar e nem temer a solidão ao saber que ninguém vai ler. Pois é da solidão que vem as boas ideias. Tudo isso é o que dizia Taro Okamoto.😜
Links
Página da exposição Okamoto Taro: A Retrospective - Tem materiais sobre TAROMAN. O botão "English" não funciona. Ao menos ainda...
Playlist do Canal Oficial da NHK - Os episódios não têm a parte com Ichiro Yamaguchi. Mas por alguma razão está na ordem inversa, do último capítulo para o primeiro. Preparei outra na ordem correta (link)
Escritora ao dispor e se era a intenção de publicar algo incomum, está no caminho certo. Aliás, é este o diferencial deste blog que acompanho e curto acompanhar, seja algo que curta ou não.
ResponderExcluirVi no seu Twitter citando esta produção e as artes deste ser que representa o artista em questão: bizarro e incomum, com pitadas de imaginação transbordando aos montes e tendo o toque "baixo orçamento" resumem o "Taroman". Me identifico um pouco com o estilo do Okamoto Taro, de usar o que tem para criar algo e de ter uma representação de si mesmo nas artes, no meu caso, nas minhas escritas e desenhos. Último parágrafo da postagem me representa: não desenho ou escrevo pra agradar os outros e sim para mim mesma, que quer dar o seu melhor no seu jeito. Claro, fica feliz se alguém acabar vendo algo que escrevo ou desenho por aí. Dizem que pra fazer algo bom, tem de agradar aquele que o faz, antes de mais nada.
E saber que a produção fazia uma zoeira com as tramas de tokusatsu lá nos anos 70, sem ser Toei ou Tsuburaya, mostra o quão relevante são tais produções. Claro que tinha de ter dedo da produtora da Franquia Ultra no meio, afinal, cenários com maquetes e efeitos práticos são parte do charme do tokusatsu. Seja nas produções antigas, seja nas mais recentes e é um ponto positivo que admiro da produtora como um todo. Postagem curiosa que não foge do habitual do blog, perfeito! Até a próxima e tô quase terminando "Ultraman Max", falta pouco...
Obrigado, Escritora!
ExcluirVi um monte de fãs de Tokusatsu lá do Japão falando desse, e que realmente entendem do assunto, então fui dar uma olhadela. Não me arrependi. Foi uma boa surpresa. Só não tinha certeza se ia pegar por aqui.
E o que Taro Okamoto dizia era bem isso. De criar alguma coisa sem se importar com a avaliação dos outros ou com a intenção de agradar alguém. Se bem que ele seguia isso até as últimas consequências. São palavras que provavelmente tocam fundo em quem faz Arte.
Eu achei fascinante isso de tentarem emular a atmosfera da época usando tanto meios analógicos quanto digitais. Mesmo com cinco minutos dá para criar uma história e passar uma mensagem. As histórias de bastidores também são incríveis. Dá gosto de saber.
Tento fugir do lugar-comum. Buscar algo que não seja muito falado em outros lugares, mas que pode ser interessante. E TAROMAN caiu como uma luva. Mais uma vez, não sei se vai interessar para alguém, mas fica aqui o convite para dar uma olhadela.
Saudações
ResponderExcluirEste texto é um belo exemplo de como uma pesquisa bem feita, com vontade e dinamismo, acaba resultando em grandes frutos, Usys.
Eu desconhecia completamente a existência deste personagem, cujo simbolismo de herói merece ser colocado entre aspas. Além disto, a apresentação mais caricata do Taroman, somado ao comportamento demonstrado pelo mesmo, tendem a fazer com que esta série de curta duração episódica possa ser de meu apreço pessoal, nobre.
É bem divertido ver alguém canalizando os seus pensamentos e devaneios na criação de um personagem e/ou história própria. O exemplo demonstrado por Taroman, nesta cncepção, julgo como sendo muito elogiável.
Ótimo post, Usys.
Até mais!
Obrigado, Carlírio!
ExcluirFoi uma experiência bem interessante e com isso deu para conhecer um grande nome da Arte Moderna no Japão. Se essa era a intenção da série, então ela conseguiu. Embora ainda tenha muita coisa para pesquisae.
Ryo Fujii fez um bom trabalho adaptando os trabalhos de Taro Okamoto para o Tokusatsu, o que achei muito criativo e bem pensado. E pelo que vi, Taro Okamoto influenciou várias outras obras, mesmo algumas inimagináveis.
Até logo!