domingo, 20 de novembro de 2022

Kamen Rider BLACK SUN - Interpretação Livre

Abaixo segue uma versão mais longa e aprofundada das impressões que tive da série Kamen Rider BLACK SUN, e por isso, mencionando detalhes da trama. Coloquei muito de minha visão pessoal e percepção, me baseando em minhas experiências e associando com autores do passado como Shozo Uehara e Mamoru Sasaki. Foi tudo o que pensei e percebi, colocando o que me veio à cabeça sem muita revisão, então ficou bem extenso. Só prossiga caso tenha bastante paciência.



Aviso mais uma vez: contém detalhes dos rumos da trama (spoilers).


O que é o Kaijin?

Quando se fala de "Kaijin", a primeira coisa que se vem a cabeça são os monstros humanoides que atacam pessoas. Mas não é o caso em BLACK SUN. Tudo o que eles querem é viver suas vidas sem serem incomodados, convivendo com os humanos. Só que obviamente, existem aqueles não os veem com bons olhos e os segregam, exigindo que eles vão embora do Japão e/ou sejam exterminados.


Um parênteses é que o diretor Kazuya Shiraishi falou sobre a série e os Kaijin em um programa na Tokyo MX. Quando soube que eles viviam entre os humanos, o apresentador suspeitou que eles pretendiam invadir o Japão, mas Shiraishi logo negou. Daqui dá para ver que o preconceito existe.


E realmente, dentro da série, as pessoas sabem pouco sobre os Kaijin. Há quem diga que eles existem há mais de cinco milhões de anos (uma boa referência à série clássica) e outros que acham que vieram do espaço, visto que exigem sua expulsão da Terra. Mas a história verdadeira é outra.

Os Kaijin eram frutos de experimentos do governo japonês, desde o ano de 1936, conduzidos por um homem chamado Michinosuke Dounami. O objetivo era o desenvolvimento de super soldados poderosos e totalmente obedientes, capazes de dar suas vidas pelo país sem hesitar. O primeiro sucesso foi o que depois se tornou o "Rei Criador".

E esse nome não é a toa. De seus fluidos, foi possível extrair material para que fossem feitos novos Kaijin, originalmente grafados como 改人 (Kaijin), provavelmente uma abreviatura de 改造人間 (Kaizou Ningen, "Ser Humano Reconstruído"). E gradualmente se tornou 怪人 (Kaijin, literalmente "Pessoa Estranha").


Mais um parênteses é que o episódio 3 da série original é 怪?怪・改造人間 (Kai? Kai. Kaizou Ningen), um trocadilho com a palavra "kai". Mais uma boa referência.


Porém o experimento foi um fracasso e a maioria dos Kaijin gerados eram inferiores, sem grande poder de luta, vulneráveis a armamento convencional, como demonstrado no primeiro episódio de BLACK SUN. Anos depois, eles passaram a integrar a população japonesa, mas tudo o que encontravam era o preconceito e a exploração.

Toda essa insatisfação fez com que nos anos 1970 os Kaijin se organizassem em movimentos de luta por igualdade, o Zenkaijin, um evento análogo ao Zenkyoutou que ocorreu no Japão do nosso mundo. E um dos grupos era a 五流護六 (Gorugomu), que lutava como guerrilheiros por esse ideal. Talvez um equivalente ao Exército Vermelho Japonês de nossa realidade.


Uma submissão chamada "Convivência"

No entanto, Michinosuke Dounami, que se tornou Primeiro Ministro em 1972, viu neles uma oportunidade de conseguir dinheiro e poder. Ele então propôs à Gorugomu que ao invés de "brincarem de ser revolucionários", se tornassem um partido que apoiasse o governo. Com isso ele daria direitos aos Kaijin, que estariam fadados à extinção caso se recusassem e seriam dizimados por serem uma minoria.

Dounami era belicista e pretendia alterar a constituição japonesa de modo que pudesse ter uma força militar capaz de interferir em solo estrangeiro. Por isso também foi imposta a condição dos Kaijin lutarem na frente de batalha caso o Japão entre em guerra com outro país, com isso retomando o intento original do projeto que os originou. Mas desta vez não como supersoldados, e sim como "buchas de canhão".

Seus líderes aceitaram, se tornando depois o "Partido Gorgom". Houve quem não concordasse com isso, mas os dissidentes foram presos ou mortos em eventos que lembram o Caso da Pensão do Monte Asama. E assim, Dounami pôde contar com os votos cativos dos mais de duzentos mil Kaijin existentes para perpetuar sua coligação no poder, se estendendo por três gerações.


Nota: Duzentos mil votos pode não parecer muita coisa, mas no Japão as eleições são facultativas. Isso faz com que esse número seja bem expressivo.


Daí começou a exploração dos Kaijin, sob uma convivência de fachada. O Rei Criador passou a ser administrado pelo governo japonês, gerando fluidos para a criação de novos Kaijin que, na gestão de Shinichi, neto de Michinosuke, eram leiloados como escravos. Ainda, processando esses fluidos com carne humana, se obtinha uma substância chamada Heat Heaven, que podia ser vendida como uma droga para os Kaijin.

E havia material de sobra: as minorias e as parcelas desfavorecidas da população japonesa. Todos eram mantidos em jaulas até que se decidisse quem virava Kaijin e quem era triturado e se tornar material para Heat Heaven. Um esquema repugnante em que não são só os Kajin que são explorados, como também os próprios humanos considerados "improdutivos", e mostra quem é verdadeiramente o monstro nessa história.

Nisso tudo, o grande objetivo de Minami e, ao menos a princípio, de Nobuhiko, é o de acabar com o Rei Criador, encerrando esse ciclo maldito. Assim não seriam criados novos Kaijin, que só encontrariam sofrimento ao serem usados como armas, e eles poderiam ter uma vida plena até morrerem naturalmente devido a idade. Até lá, os dois lutariam para garantir que eles tenham um mundo que os trate com igualdade e dignidade. Um objetivo passado a eles por Yukari Shinjo (Haruka Imou), uma da dissidentes da Gorugomu e que não quis se submeter.


Uma História Perdida

Infelizmente ficaram faltando algumas peças nessa história como por exemplo, o que aconteceu entre os anos 1930 e os 1970, contando como exatamente os Kaijin passaram a ter contato com os humanos e como eles viviam até então.

Dá a entender que depois que o governo viu o projeto como uma falha, os abandonaram naquela vila onde foram feitos os experimentos. E para acobertar o caso, foram implantadas memórias e uma cultura falsa em suas mentes com um mecanismo de lavagem cerebral. Como o que foi usado no pai de Aoi quando o transformaram no Kaijin caranguejo.

Os Kaijin então teriam passado a viver isolados da civilização, tendo o Rei Criador como seu Deus (ou Kami), que ficava em um pequeno santuário afastado. Isso até serem descobertos ou alguns deles experimentado sair para conhecer as cidades e conseguido emprego de forma ilegal, sendo explorados como mão de obra barata. Mas isso acaba ficando na conjectura. 

E o que são as Pedras que todo Kaijin teria no ventre? Pelo visto elas são feitas dos fluidos do Rei combinados com animais e plantas criando cristais que são implantados em humanos para que se tornem Kaijin. E existiriam exemplares especiais que seriam as Kingstones para gerar um novo Rei Criador. Um sistema parecido com a geleia real das abelhas.

Só que Minami e Nobuhiko aparentemente conseguem removê-las e se transformar mesmo sem tê-las em seus corpos. Será que elas só são úteis na primeira transmutação que altera o DNA permanentemente e depois não são mais necessárias?

E como são criadas as Kingstone exatamente? Pelo que deu para entender, elas só podem aparecer quando há uma nuvem de gafanhotos durante um eclipse solar, um evento que ocorreu por acaso quando construíram o Rei Criador. Apesar de ter sido um experimento científico, parece ter um quê de misticismo, envolvendo algum tipo de força oculta, o que destoa do clima da série.

Mais uma vez, são suposições e não há explicações claras dentro da série. O jeito é esperar por algum material que revele essa parte perdida. Os conceitos e designs foram feitos por Shinji Higuchi, diretor de Shin Godzilla e Shin Ultraman, então provavelmente ele fez algo mais detalhado.


Sol e Lua

Esta história tem dois protagonistas. Um deles é Kotaro Minami/Kamen Rider Black Sun (Hidetoshi Nishijima), que é bem diferente de seu correlativo da série de TV. O Minami de BLACK SUN é soturno, apático e passa pelo confronto de passeatas totalmente indiferente, sem interferir ou ficar de algum lado.

Quando era jovem, Minami tentou matar o Rei Criador. Mas o Rei era forte demais e ele não teve chance nenhuma. Sua perna foi seriamente ferida no confronto, seus companheiros foram mortos e seus inimigos assumiram o poder. Minami é o herói desiludido, que teve seus ideais destroçados, mudando completamente sua personalidade que antes era alegre e cheia de vida. Incapacitado e sem ajuda, acabou decaindo, sobrevivendo com trabalhos sujos. Ele é o herói que carrega consigo o peso da derrota. Mas é o encontro com Aoi que faz com que ele retome sua luta.

O outro protagonista é Nobuhiko Akizuki/Kamen Rider Shadow Moon (Tomoya Nakamura), que ficou enclausurado por todos esses cinquenta anos e durante esse tempo, seus ideais não mudaram. O que o manteve vivo até então, além do Heaven, foi o desejo de vingança, o de restaurar a antiga Gorgom e o de realizar o sonho de Yukari.

Ou seja, Nobuhiko continua sendo o herói idealista de antigamente, sem nenhuma atualização. Tanto que em outro confronto de manifestações ele intervém, cortando a multidão com sua moto, a Road Sector, e faz um discurso conclamando os Kaijin a lutarem por seu direito à igualdade. Uma atitude totalmente oposta a de Minami em uma situação parecida.

Mas eventos fazem com que ele mude de ideia, como o cruel linchamento de Shunsuke por manifestantes anti-Kaijin. E seus ideais são totalmente destroçados ao saber da verdadeira origem dos Kaijin e que Yukari era uma espiã dentro do movimento. Assim ele chega à conclusão de que os humanos são malignos, com o desejo de se matarem uns aos outros por instinto. A convivência com tais seres é uma falácia e os Kaijin é quem devem se tornar a nova raça dominante.

Gostei muito dessa representação de Nobuhiko, que agora faz as coisas por vontade própria, experimentando e tirando suas próprias conclusões. Tendo uma causa em que acredita, sua própria justiça. Mais convincente do que ter sofrido lavagem cerebral, algo que me incomodava muito na série clássica e por isso não conseguia vê-lo como um rival a altura de Minami, com exceção de nível de poder. Por isso ele não era Kamen Rider. E em BLACK SUN, na verdade, os dois não são Riders desde o início.


HENSHIN!

Uma coisa interessante é que no começo Minami e Nobuhiko não assumem a forma que figura em materiais promocionais, mas sim uma mais bestial, monstruosa, que lembra a intermediária que aparece no primeiro episódio da série clássica e no meio da transformação do Black. Nas legendas em japonês, eles são referidos simplesmente como "Gafanhoto Negro" e "Gafanhoto Prateado", embora dentro da série sejam chamados respectivamente de "Black Sun" e "Shadow Moon". Os dois também ainda não fazem a pose de transformação e o processo de metamorfose parece ser bem doloroso.

Minami se torna realmente o Kamen Rider Black Sun no episódio 5, quando é tomado de fúria ao saber que Aoi foi transformada em Kaijin. Nobuhiko se torna o Kamen Rider Shadow Moon no episódio 7 ao matar Igaki, o líder dos manifestantes anti-Kaijin que lincharam Shunsuke, e também tomado pela culpa de ter levado vários jovens companheiros à morte ao tentar invadir o prédio do Partido Gorgom.

Isso dá a entender que até então eles não eram Kamen Riders e só se tornaram tais quando finalmente descobriram o que cada um precisava fazer, a sua missão, a sua justiça. No caso de Minami é a de impedir que sejam criados mais Kaijin, o que os jogaria em um ciclo de dor e tristeza. O de proteger uma pessoa que lhe era cara, Aoi. E no de Nobuhiko, é o extermínio dos seres humanos ao ver de que atrocidades eles eram capazes, percebendo que seres de mentalidades e valores diferentes não podem coexistir. Para proteger a sua raça, os Kaijin.

A pose de transformação e a palavra "Henshin" (transformação, metamorfose) em BLACK SUN seriam um sinal de convicção, de determinação. É o que acontece com Aoi no final, quando ela também faz a mesma pose de Minami, como que mostrando que ela levará a cabo a missão de seu mentor. Só que ainda não é o bastante para que ela assuma uma forma Kamen Rider.


A Menina Sonhadora

A verdadeira protagonista da obra é Aoi, que luta pela igualdade entre humanos e Kaijin. Ela tem um canal em um site de vídeos deste mundo, que usa para divulgar suas ideias, e isso lhe rende seguidores mas também detratores. Mesmo assim ela sabe lidar com esse tipo de pessoa mostrando firmeza e atitude, como na cena do ônibus em que ela saca seu celular em resposta a uma mulher que tentou filmá-la a fim de ridicularizá-la. Ou seja, ela tem bastante autoconfiança e obstinação, longe de ser uma menina sonhadora indefesa.

Apesar da pouca idade, de 14 anos, ela também demonstra maturidade e discernimento ao compreender os motivos de Nick e do Pulga, perdoando-os, e ao voltar sua raiva para quem é devido, no caso Bilgenia. E quando o Baleia teve que matar seu pai, que foi transformado em um Kaijin caranguejo, entendeu que ele fez isso para salvá-la.

Minami se torna para ela um mentor, alguém que lhe mostra o sentido de sua missão. Ele também lutou pela igualdade dos Kaijin antigamente e provavelmente sentiu nela a mesma convicção de Yukari. Aoi, por sua vez, também se torna mentora de Minami ao tirá-lo de sua letargia, inclusive fazendo com que ele sorrisse mais uma vez.

Mesmo assim, Aoi percebe que até então não compreendia o verdadeiro sentido de seus ideais. A menina tinha amigos Kaijin, como Shunsuke e sua família, mas nunca havia sido atacada por um, como o Kaijin aranha do primeiro episódio. E ao se tornar Kaijin ela mesma, Aoi pôde ter uma visão melhor, encarando o terror e a insegurança de ser algo que não é humano. Daí ela entende que não podia mais falar de "coexistência" de forma leviana.

Só que assim como Nobuhiko, ela viu do que os seres humanos eram capazes. De matar não só aqueles que são diferentes deles, como Shunsuke, mas também os seus semelhantes, como os prisioneiros no prédio do Partido Gorgom. De criar armas a partir de seu próprio povo para atacar outros. E também ela mesma foi alvo de um atentado em nome da ganância de Dounami.

Sendo assim, Aoi teve sua própria interpretação dos ideais que herdou de Minami, então aquela pose de transformação se torna apenas uma imitação vazia, sem lhe dar uma forma Rider. E por isso ela teve que terminar daquele jeito ao ver que o mundo não é tão complacente a ponto de se conseguir as coisas sem luta. Só que ao mesmo tempo...


Uma Obra sobre o Mal

Esta não é uma obra que fala de "Heróis da Justiça" em seu sentido clássico. Obviamente existem personagens realmente vis e malignos como o Primeiro Ministro Dounami e o ativista anti-Kaijin Wataru Igaki (Hiroki Konno), altamente irritante sempre falando com um megafone.

Porém é mostrado que os "heróis", apesar de terem motivos justificáveis, se usam de métodos questionáveis como cooptar jovens e até crianças para sua causa, ensinando-os a matar e fabricar artefatos como bombas, treinando-as para serem terroristas. Ou seja, eles também são o "Mal" em algum nível. No caso de Dounami e Igaki a representação é clara, inclusive com palavras. Nos "heróis" é velada, aparecendo mas imagens e nos atos, que precisam de um pouco de interpretação.

Os Kaijin são mostrados como o lado oprimido, mas o Heat Heaven já existia antes de Gorgom se submeter a Dounami, e era distribuído como uma droga entre eles nas reuniões da Zenkaijin de 1972. Um dos materiais provavelmente era de humanos que eles matavam nas brigas raciais. Ou seja, os Kaijin também cometiam atrocidades como a antropofagia. E em um dos cartazes das passeatas anti-Kaijin de 2022 havia um que dizia que o pai da pessoa que o segurava foi morto e esquartejado por Kaijin. Não se sabe se isso é verdade ou quais foram as circunstâncias, mas existe essa possibilidade.

Tive em mente a slogan da série "O que é o Mal? Quem é o Mal?" para tentar entender melhor a sua proposta. E também as palavras do diretor Shiraishi em uma entrevista, na qual ele diz que "nem tudo o que um personagem faz pode ser considerado Justiça". Seu estilo é retratar o "Mal", o lado obscuro que existe no coração das pessoas em seus diferentes graus e instâncias. E esse é o intento de BLACK SUN. Existem Heróis na série, sim. Que lutam pelo que acreditam e pelo bem-estar de pessoas além deles. Que dizem "Não" ao que acham que é errado. Mas que também têm o "Mal" dentro de si, uma boa interpretação do conceito de "Kamen Rider".


Drama Coletivo

Por isso os personagens de BLACK SUN são multifacetados. Quase todos eles têm suas qualidades e seus vícios, como os Kaijin menores, o Morcego, o Baleia e o Pulga, que cometem maldades, porém levados pelas circunstâncias, como pressões ou o desejo de sobrevivência. Mas que também têm atitudes louváveis, o que faz com que eles não sejam "vilões", pendendo para o bem e para o mal.

Curiosamente, esses três Kaijin são bem humanos. Saem para beber e afogar as mágoas depois de passar maus bocados no trabalho e literalmente serem pisoteados pelos chefes até serem demitidos. Ou então comem yakisoba como qualquer outra pessoa. São bem humorados, se tornando o alento necessário dentro do clima opressor da série.

E os outros personagens secundários têm importância na história, fazendo com que ela se mova. Yukari Shinjo é o grande norte que motiva Minami e Nobuhiko, ainda que em diferentes graus. Ela é a mentora dos dois e do movimento Gorugomu, mas acaba se tornando o pivô da destruição final da facção dissidente que ela integrava. Não é explicado se Yukari era mesmo uma espiã do governo, mas sua convicção foi demonstrada durante toda a série, o que indica que ela tinha suas próprias ideias e uma verdade em que acreditava.

Oliver Johnson e Nick não estão lá só para "cumprir uma cota". Os motivos de Oliver se juntar à Gorugomu são coerentes e é ele o portador da mensagem de Yukari, além de prosseguir com sua missão. Ele junta e guarda as informações que podem mudar o cenário do mundo, mas não as divulga, pois considera que decidir o que fazer com elas é direito dos Kaijin.

E é Nick quem dá a Aoi informações sobre a Gorugomu, fazendo com que ela saiba sobre o passado de Minami. Ele parecia ser leviano ao querer se tornar um Kaijin, só que tinha suas razões para isso. A atuação de Jua é boa, especialmente na cena em uma cafeteria, em que ele desvia o olhar por um instante, demonstrando desconforto ao ser questionado por Aoi sobre como a Gorugomu acabou.

Shunsuke no começo parece meio deslocado da trama e até um tanto ignorado, o que gera algumas inconsistências no roteiro, dando a impressão de que foi incluído de última hora. Por exemplo, na cena em que Aoi chora pela morte de Misaki Izumi, sua mãe de criação, ele aparece sentado, se recuperando depois de ser quase morto pela Kaijin Anemona. E tempos depois, em uma manifestação, Aoi se desculpa por ter achado que ele tinha morrido, sendo que seria impossível não ter notado que ele estava vivo, já que teriam que passar pela porta da frente para chegar ao corpo de Misaki.

Ele também entra na cafeteria em que Aoi e Nick se encontram para trocar informações, mas é expulso de lá por ser Kaijin. A menina jura nunca mais pôr os pés lá devido ao racismo da dona do estabelecimento, porém em outros capítulos volta várias vezes para falar com Nick, criando uma contradição com seu discurso.

Mas Shunsuke tem importância ao ser o elemento que desencadeia mudanças em Aoi e em Nobuhiko com sua morte, além de ser uma representação do típico jovem idealista entusiasmado que segue um líder de um grupo extremista. E pega em armas, sem saber exatamente no que isso implica, só depois sentindo na pele os horrores de tais atos. Ele ainda segue os outros ao tomar uma droga, nesse caso o Heaven, nos treinamentos na caserna de Nobuhiko.

Outro personagem a ser citado é Kazuya Kurokawa (Junichi Kawanami), chefe da divisão da polícia que trata de crimes de Kaijin e é o único que tenta manter a ordem, já que a maioria de seus homens é despreparada para cuidar desses casos. É ele, inclusive, quem dá cobertura aos manifestantes pró-Kaijin ao fingir levar o pai de Shunsuke preso, mas depois o devolvendo para sua casa.

A performance do ator é discreta, mas dá para ver no velório de Shunsuke que ele sofria em suas expressões. Que ele se responsabilizava pela morte do menino e não pôde fazer nada para impedir as ações dos segregacionistas que tinham a conivência do povo. Tudo o que foi possível foi mandar seu corpo para autópsia para investigação do crime de assassinato.

E é irônico que sua última missão tenha sido a de prender ou matar Aoi quando ela fez sua live denunciando o esquema de Dounami. Ele era um homem que valorizava o dever e cumpria ordens, mesmo ao custo de suas crenças, que provavelmente foram bem abaladas ao ter seu pescoço mordido por Bilgenia nessa ocasião.

Ou seja, todos os personagens estão lá por alguma razão e nenhum deles pode ser removido da trama. Isso é o que configura o Drama Coletivo, uma das propostas da série.


Encarando Bilgenia

Um dos objetivos da equipe era o de "encarar Bilgenia", que apareceu por um tempo na série clássica, mas tendo uma participação indigna.

O Bilgenia de BLACK SUN é um personagem complexo, cometendo atrocidades e sendo subserviente a Dounami. É difícil de imaginar como ele ficou assim, considerando que era bem diferente nos eventos de 1972, como o líder da facção dissidente da Gorugomu que não queria se submeter aos humanos. Porém entendo que sua verdadeira fidelidade é tão somente ao Rei Criador, por quem tem uma devoção religiosa, visto que Bilgenia sempre se curva quando está diante de seu "senhor".

Ele se submete a Dounami, mas ao mesmo tempo procura por um meio de derrubá-lo, mesmo passando por humilhações. Por isso não revela que encontrou o filme 8mm de 1936 que mostrava a origem dos Kaijin. Tudo para que seu "Deus" pudesse continuar a existir, de uma forma ou de outra. E descontava suas frustrações de forma extremamente cruel nos humanos, por quem ele não tinha nenhum apreço e nem poderia ter, considerando que os via como opressores e inimigos já desde 1972.

Só que tudo isso faz com que ele acabe sendo um joguete, um peão como foi com o Bilgenia da série clássica. Ele termina isolado, abandonado por todos, escorraçado por Shadow Moon, pisoteado por Dounami e derrotado por Aoi. E ao saber da verdade da boca do decrépito Prof. Akizuki, de que o Rei Criador era um ser sem vontade própria e desnecessário e não uma divindade, perde seu sentido de vida.

Mesmo assim a proposta dos diretores de dar um papel maior ao personagem é cumprida e ele encontra sua glória e sua redenção ao aprender o "significado da derrota" com Minami e ver uma nova esperança para os Kaijin em Aoi, que ele defende ao custo de sua vida. Assim Bilgenia também se torna um "Herói" nessa história, mesmo depois de ter suas crenças destruídas uma vez.

Uma pena só que tentaram ser muito fieis ao visual original, deixando-o com a face humana de fora. Imaginava que o que aparecia nos trailers era uma forma intermediária e depois se fecharia uma máscara com feições humanoides (olhos, nariz e boca), porém com elementos do peixe blindado pré-histórico em que ele se baseia.


Vislumbrando os Antigos

Senti que a série é bastante fiel ao espírito de Shotaro Ishinomori, pois notei referências não só a Kamen Rider Black, como também ao mangá do primeiro Kamen Rider. Isso pode ser visto nas representações satíricas e caricatas de figuras políticas, e em uma conexão com a grande surpresa final. No mangá de 1971 fica implícito que lá também o Primeiro Ministro queria criar cidadãos totalmente obedientes, como o Michinosuke de BLACK SUN. E seu destino é parecido com o de Shinichi ao ter seu gabinete dissolvido.


Outra referência óbvia é o mangá Devilman, de 1972, feito por Go Nagai. Especialmente na parte em que Nobuhiko descobre do que os humanos são capazes. Foi falado de segregação, embora em Devilman tivesse chegado a níveis ainda mais extremos.

E a série me evocou elementos do divino roteirista Shozo Uehara, que também falou do preconceito e lutava contra a opressão a minorias. A cena em que um policial despreparado mata um Kaijin a tiros me remeteu a uma situação parecida no episódio 33 de O Regresso de Ultraman, de 1971, em que quem é morto é o pacífico Alien Mates. Em BLACK SUN é pior ainda, pois o policial atira, erra pegando um humano na perna, para depois, em pânico, matar o Kaijin.

Os Kaijin são claramente uma metáfora dos imigrantes coreanos, visto que na viela Samezu, onde eles moram, existem várias barracas de comida coreana como o Tteokbokki (ou Toppogi). No velório de Shunsuke existem oferendas de pacotes de doces com letras em hangul. Dá para ver ainda uma camisa do time de beisebol de Hokkaido pendurada na parede, algo que parece fora do lugar. É interessante ainda uma cena do movimento Gorugomu de 1972 em que eles fazem Goya Chanpuru, um prato típico de Okinawa.

O nome que o Alien Mates de O Regresso de Ultraman assumiu era "Kanayama", comum entre imigrantes coreanos que se naturalizavam japoneses. O menino Ryo veio de Hokkaido, e seria um Ainu, outro povo que era discriminado. Ou seja, ambos eram figurações de minorias segregadas.

Uehara sentia na pele o preconceito, pois ele mesmo era Uchinanchu (Okinawano), que sofriam essa segregação na época, conforme conta em uma entrevista. O Mestre sempre quis falar de temas sociais como esse, porém não podia devido ao risco de desagradar determinados grupos político-ideológicos, e na única vez em que teve essa oportunidade, acabou perdendo seu posto de roteirista principal. Mesmo assim, em suas histórias é possível ver crítica social ainda que de forma velada.

Senti ainda algo do roteirista Mamoru Sasaki, que além de abordar temas políticos, falava do lado dos oponentes, que tinham motivos palpáveis e não eram simples "vilões". Um exemplo é o episódio 23 de Ultraman, de 1966, em que figura Jamila, um humano que foi abandonado pelo governo de seu país, se tornando um monstro e veio se vingar. Mas acabou morto sem ter sua origem revelada ao mundo para acobertar o caso.

Havia vilões, ou melhor, oponentes em Iron King, totalmente escrito por Sasaki em 1972, que tinham suas razões, sua justiça para fazer o que faziam. Não simplesmente armavam planos de dominação do mundo só por maldade ou ganância. Eles lutavam por terem uma causa em que acreditavam e não por receberem ordens de alguém. Ou então para restaurar o poder de seu povo que teve sua existência apagada da história.

Sasaki também retratou de forma figurada a revolta das minorias em お荷物小荷物 (Onimotsu Konimotsu, algo como "Bagagens e Pacotes"), de 1971, feita para ser uma "anti-novela". Nele, uma mulher okinawana vem para se vingar de uma família japonesa misógina, composta só por homens, colocando-os a seus pés com vários meios, inclusive o Karatê. E teve uma continuação, com o subtítulo カムイ編 (Kamui Hen, o "Arco de Kamui") em que desta vez aparece uma mulher Ainu para recuperar um urso que essa família roubou de seu povo, e que era considerado uma divindade Kamui.

E a situação de BLACK SUN ainda me lembrou de um episódio da versão em desenho animado de 1967 de A Princesa e o Cavaleiro, baseado no mangá de Osamu Tezuka. O episódio 13 para ser mais exato.

Nele, o Duque Duralumínio constrói secretamente uma fortaleza com a desculpa de defender a Terra de Prata, mas na verdade a intenção era a de invadir um país vizinho. No processo, seus soldados ceifam flores de um campo que havia por perto. Os espíritos das flores se dividem em duas facções: os apoiadores do Marquês Rouge (espírito da Rosa Vermelha), que resolveram entregar suas terras e se submeterem ao Duque para que sua raça pudesse sobreviver; e os do Marquês Blanc (Rosa Branca), que pede ajuda a Sapphire para salvar seu povo. Os dois são irmãos, mas entram em conflito devido a diferenças de ideias.

O esquema do Duque é desbaratado, em parte por sua própria estupidez e por não dar importância às flores. Ele alega que construiu a fortaleza por "amor à pátria" e Sapphire retruca que a Terra de Prata não precisa de um patriotismo assim.

Sou o que chamam de "das antigas", então não pude deixar de notar elementos em comum e fazer esses paralelos e associações. Mas isso é tudo coisa que eu senti, baseado em minhas experiências. Sendo assim, não há entrevistas que falem se houve realmente influências de todos esses autores e obras. Ao menos não ainda.


Uma Questão para a Eternidade

Minami cumpre seu objetivo de matar o Rei Criador e deter Nobuhiko, ainda que ao custo de sua própria vida e deixa seu legado para Aoi. Os "maus" são punidos e eliminados. Mas isso não trouxe alento nenhum.

A morte de Dounami não mudou o cenário político do país. Na verdade apenas foi extirpado um "cancro" dentro do partido. Ele só chegou até onde chegou por ter nascido em uma linhagem privilegiada e obtido um poder que lhe foi dado de bandeja, e não conquistado por esforço próprio ou por competência. E se preocupava mais em satisfazer seus próprios desejos do que seguir os ideais de seu avô de ter um país com poderio militar capaz não só de se defender, como também de interferir em solo estrangeiro.

Esse ideal foi passado para Isao Nimura, o Secretário-Geral que está disposto a levá-lo a cabo ao assumir o poder, depois de suportar humilhações e ataques de Dounami. E durante toda a série é mostrado que ele tem a competência para isso. Assim o Japão também entrará na triste maratona do armamentismo, interminável e sangrenta.

Igaki foi eliminado, mas acabou deixando um legado perverso também, pois os grupos anti-Kaijin continuaram. O preconceito ficou muito mais forte, com ataques escancarados. E o discurso de ódio não se limitou só aos Kaijin, como se ramificou na xenofobia ao se estender aos imigrantes estrangeiros, que eram tão humanos quanto os japoneses.

Quanto a Aoi, ela viu seus pais, sua mãe de criação, seu melhor amigo e a pessoa que ela admirava serem mortos. Esses sacrifícios e sua luta acabaram sendo em vão e o mundo não mudou. De fato, até piorou, visto os vários túmulos de Kaijin na vila que se tornou sua base. Diante de tudo isso, Aoi acaba se tornando extremista, usando de meios reprováveis. A nova Gorugomu que ela criou acabou se tornando uma "organização do mal" como as retratadas por Mamoru Sasaki, e provavelmente é assim que ela será descrita por Nimura e seus partidários.

Ou seja, o Herói não triunfou, mesmo com a pomposa recriação da cena de abertura da série clássica, inclusive com resolução mais baixa, emulando a época. Como que mostrando que no fim não há um "Herói da Justiça" que possa salvar o mundo em uma realidade parecida com a nossa. E que não adianta matar o "Chefe do Mal" para que as coisas se resolvam, pois como disse o Rei Criador ao ser morto na série original, enquanto existir o Mal dentro do coração das pessoas sempre haverá alguém para substituí-lo. E assim a luta se perpetua como em uma fita de Möbius.

Mas como terminar com isso? O ideal seria acabar com o preconceito, porém como, sabendo que os humanos são exatamente como Nobuhiko, e antigamente Bilgenia, descreveram? Que é sedenta de sangue e desumaniza quem pensa diferente? Algo que se estende por nações inteiras que não confiam umas nas outras e se armam sob o pretexto de se defenderem, como planejou Michinosuke e depois Nimura? Em um mundo em que quem tenta resolver as coisas de forma pacífica é golpeado com uma clava e cai morto no chão para ser encontrado como indigente, como disse Yukari?

Um mundo em que diferenças ideológicas fazem com que dois grandes amigos que um dia sonhavam com um mundo ideal, e nunca brigariam entre si, acabem matando um ao outro, enquanto no fundo desejavam voltar àquela época?

Como foi visto, o preconceito é um monstro tão poderoso que nenhum herói consegue derrotá-lo (até mesmo o Regresso de Ultraman perdeu para ele uma vez). Então o que devemos fazer?

Sinto que essa é a questão deixada por Shiraishi e sua equipe. Uma questão para a eternidade. Todos somos apenas pontos de passagem na História e devemos descobrir um meio de não gerarmos mais "Aois guerrilheiras", que deixam seus ideais justificarem seus atos com um senso deturpado de justiça, consequentemente levando ao final infeliz mostrado na série.


No fim, o que é o Kaijin?

A mensagem daquele vídeo que Aoi transmitiu para a ONU acaba sendo destinado também às pessoas do nosso mundo, da nossa realidade. Para que possamos nos questionar "O que é o Mal? Quem é o Mal?". Algumas vezes só precisamos olhar para o espelho para saber.

Os Kaijin são humanos. E o contrário também é verdade: os humanos são Kaijin, mas no sentido clássico da palavra. Nos tornamos monstros ao atacar os "outros", aqueles que nos desagradam, seja por terem ideias, ou mesmo aparência e etnia diferentes. Nisso os "outros" se tornam monstros aos nossos olhos e assim conseguimos agredi-los sem piedade. Tanto que é comum vermos na internet alguém dizendo que "tal tipo de pessoa nem é gente", ou mesmo usarmos essa frase sem perceber seu significado.

Só que no fim, o "outro" também é humano debaixo de uma máscara que colocamos nele. É o que eu senti ao ver o cadáver de Shunsuke, com o rosto em seu estágio intermediário entre Kaijin e humano. É uma metáfora da desumanização do "outro" e mostra que aqueles que odiamos, no fundo são apenas humanos debaixo de uma máscara inumana.

Essa pode ser a pista para encontrarmos uma resposta. Nos conscientizarmos do "Kaijin" que existe dentro de nós. E talvez seja por isso que a equipe fez alusão a tantos acontecimentos ruins da história do Japão. Para que eles (e nós) possam encarar esse lado sombrio, essas deficiências da sociedade e fazer alguma coisa. Como Shinji Higuchi e Kazuya Shiraishi disseram nos primórdios da produção.

Ver que não adianta colocar tudo em cima de uma única pessoa, de um "Herói", se todos e cada um de nós mesmos não reconhecermos o mal dentro de nosso corações e mudarmos. Senão, surgirão mais e mais "Chefes do Mal" perpetuando o ciclo de ódio. Até nos conscientizarmos de que as vidas dos humanos ("nós") e dos Kaijin (os "outros") têm o mesmo valor, sendo que não há nem um grama de diferença.


Kamen Rider BLACK SUN pode ter suas falhas como uma série de Tokusatsu, mas dá o que pensar. Ao menos, para mim trouxe vários insights, conectando com várias coisas que vi e li durante minha vida. Esta é apenas minha interpretação, que pode ser bem diferente da que a equipe tinha em mente. Mas creio que possa ser válida, assim como a interpretação de cada um.

19 comentários:

  1. Estava ansioso para ler suas impressões! Devo admitir que essa série me pegou de surpresa porque não tinha ideia de qual seria a intenção dos criadores. A série original fez parte da minha infância, mas sempre tive a impressão de que, tirando o primeiro episódio que é um dos melhores já produzidos pela Toei, ela falhou em alcançar todo o seu potencial. Eu acho que a falta de um roteirista chefe foi o principal motivo, já que o Uehara deixou o projeto logo no começo. Em comparação, acho que os Sentais do Hirohisa Soda são bem mais consistentes e o Black parecia uma série dos anos 70 com uma estética oitentista. A série como um todo me lembra muito o Kikaider de 1972, com aventuras episódicas com o tema recorrente da busca por um membro da família e eventualmente a história começa a progredir próximo aos episódios finais e ambos com o mesmo drama de salvar aquela pessoa querida que caiu nas mãos do inimigo e agora tenta destruir o herói. Também fiquei muito insatisfeito com a conclusão de que Kyoko e Katsumi simplesmente abandonaram o Kotaro. Seria bom se o RX comentasse alguma coisa sobre o paradeiro delas, como dizer que elas se estabeleceram bem nos Estados Unidos, mas ainda mantém algum contato.
    Mas então temos a versão mangá do Black. Essa série foi o meu primeiro contato com a obra de Shotaro Ishinomori, ao lado da versão animada do Kikaider que era fortemente baseada na versão mangá da Shonen Sunday. Eu sempre considerei o Kamen Rider uma obra menor no repertório do Ishinomori, mesmo com todo o sucesso que obteve. Ele mesmo conta em uma entrevista com a Keiko Takemiya em 1979 que ele nunca sentiu que o Kamen Rider fosse realmente seu, pois as limitações de uma produção para TV evitavam que ele fizesse aquilo que realmente queria. O mangá do primeiro Kamen Rider ainda é muito próximo de Cyborg 009 e como são as duas obras mais conhecidas dele, muita gente fica com a impressão que o Ishinomori era um autor de uma história só, o que não podia ser mais distante da verdade. Mas o Black me pareceu um Kamen Rider autêntico, pouco daquele conceito do Cyborg 009 ainda estava presente, ele fez uma verdadeira história de horror e acredito que essa sempre foi sua intenção, já que insistiu que o personagem tivesse algo de macabro como o Skull Man desde o inicio. E essa visão só perdurou durante os primeiros episódios da série, embora o Black da TV também tenha buscado incorporar alguns desses elementos nos primeiros episódios.
    Quando vi os primeiros trailers, achei estranho o fato de que decidiram fazer uma obra sobre discriminação e conflitos sociais em uma releitura de Kamen Rider Black. A questão política era um elemento importante no mangá de 1971, mas o Black se afastou um tanto dessas questões originais e o conflito se centra no ciclo de destruição e recriação da humanidade, similar ao arco dos Anjos de Cyborg 009 e que também foi a inspiração para Kamen Rider Agito. Quando percebi que o conflito de ideais entre Kotaro e Nobuhiko seria outro foco da série, achei que acabaria sendo muito derivativo do Kamen Rider Amazons e comparações seriam inevitáveis já que são as única obras da franquia feitas para um público adulto desde o Shin Kamen Rider nos anos 90.

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    1. Mas agora que assisti a série, admito que foi contra todas as minhas expectativas. Ela não é o mangá ou a série de 1987, foi algo totalmente novo. E conhecendo Ishinomori e sua incansável busca por inovação, acredito que ele ficaria muito satisfeito com o resultado final, ainda mais do que o novo filme do Hideaki Anno, que parece ter um forte elemento de nostalgia ao invés de uma completa repaginação do conceito original. Gostei muito do fato de que Kotaro e Nobuhiko tiveram muitas cenas em suas formas Batta e foi a realização de um sonho ver os trajes que muito se assemelhavam a versão mangá de Ishinomori. Se me lembro bem, o Batta-Otoko do Katsushi Murakami não tinha os braços extras da versão mangá, então acredito que esse elemento em particular tenha sido uma referência direta ao visual do Ishinomori. Mas realmente fiquei confuso em relação a como as King Stones funcionam nesse universo e se o eclipse solar não teve relação alguma com o fato de que ambos Kotaro e Nobuhiko tenham herdado as características do Rei da Criação.

      O final tem um tema muito recorrente nas obras do Ishinomori e o principal motivo pelo qual ele dificilmente dava aos seus personagens um final feliz. Ele acreditava que o mal sempre existiria enquanto a humanidade existir. A batalha nunca teria um fim para os seus heróis, é um ciclo infinito e eles continuarão a lutar até o fim dos dias. O icônico final original de Cyborg 009 reflete esse mesmo tema onde os vilões dizem ao herói que eles não são nada além de uma pequena célula e o mal existirá eternamente no coração humano. Mas 009 retruca dizendo que se o mal continuará a existir, haverão também pessoas de coragem para lutar contra ele.

      Um herói com código moral questionável também existia no mangá original de Henshin Ninja Arashi, onde Hayate busca eliminar todos os ninjas metamorfos criados a partir de uma técnica proibida desenvolvida por seu pai. Esses ninjas geralmente eram pessoas normais que tinham a habilidade de se transformar em animais e alguns eram retratados de maneira simpática, só queriam viver em paz com suas famílias e longe da sociedade. Mas Hayate impiedosamente parte em uma jornada para eliminar a existência desses seres em todo o Japão, pois acredita que deve pagar pelo pecado de seu falecido pai. Um deles foi inclusive seu irmão de criação, que também era de origem chinesa e discriminado quando criança por esse mesmo motivo.

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    2. Também percebi similaridades com Inazuman, onde o conflito envolvia dois irmãos com ideias opostas. Banba era o líder extremista da Nova Ordem Humana, que buscava levar a humanidade ao próximo estágio de evolução e exterminar os seres humanos comuns e visto como inferiores. Enquanto Sarah era o líder espiritual da Shonen Domei, que era outro conceito antigo do Ishinomori que ganhou nova vida em Inazuman e foi também a base para o Shonen Rider Tai em Kamen Rider. O Shonen Domei original foi uma obra de 1961 onde crianças eram recrutadas para fazer parte de um grupo especial que protegia a humanidade em segredo. Somente em Inazuman o líder da organização era um adulto, mas a série termina com a mensagem de que "O futuro está nas mãos das crianças.". Ishinomori sempre acreditou que apenas os jovens poderiam garantir um futuro melhor para todos e é por isso que escolheu os mesmos como os heróis de sua série. A mente adulta já está corrompida, mas os jovens possuem o poder de adaptação e por isso são os únicos capazes de trazer verdadeiras mudanças para o mundo. A relação de "passar a tocha" do Kotaro para a Aoi me lembrou muito esse mesmo tema. Embora a cena final tenha sido um pouco extrema, mas talvez também represente a perda da inocência por parte da Aoi.

      Também em séries como Sabu to Ichi ou Tetsumen Tantei Gen, os protagonistas buscam fazer o bem, mas seus esforços sempre parecem pífios se comparados com a extensão do sistema corrupto do mundo onde eles vivem. No caso de Gen, tem até uma referência direta ao caso Lockheed , que aconteceu na vida real, muito similar ao que já havia acontecido no mangá original do Kamen Rider. E a moral é de que não existe final feliz, pois o mal continuará a existir e a luta é eterna. Por esse motivo acredito que Black Sun até agora tenha sido a série mais próxima do espírito do Shotaro Ishinomori. Com certeza o seu DNA se encontra espalhado por toda a produção.

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    3. Desculpe pelo longo comentário. Quando escrevi o texto, o blogspot disse que era longo demais, então tive de dividir em partes. Mas foram todos parte do mesmo texto.

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    4. Obrigado, Felipe! E é uma honra tê-lo aqui.

      Cada linha que eu lia de seus comentários me deixavam mais maravilhado. Finalmente pude ter a visão de alguém que não só sabe quem é, mas o que é Shotaro Ishinomori. E com isso perceber que BLACK SUN é bem próximo do mangá também.

      Kazuya Shiraishi conta que leu todo o mangá, mas pelo que entendi, ele deve ter lido muito mais. A fala da Yukari bate direitinho com os deuses disseram em Cyborg 009, assim como o que aconteceu em BLACK SUN. Mesmo assim o diretor deu uma pitada de seu próprio estilo e sua interpretação com aquele final.

      Vi os dois primeiros episódios de Arashi no Canal de Jidaigeki da Toei, mas nunca imaginei isso dele matar todos os Ninjas Metamorfos. Essa parte me lembrou o Jin de Kamen Rider Amazons.

      Suas threads e comentários sobre Shotaro Ishinomori são altamente instrutivas. Quando vi o Primeiro Ministro de BLACK SUN não consegui deixar de pensar naquela thread da caricatura de Eisaku Sato, que também tinha um discurso, mas por trás fazia exatamente o contrário (até ia por um link, mas me esqueci de pedir sua autorização para isso, então acabei não colocando). Infelizmente esse foi um dos poucos elementos que pude trazer, mas agora foi feito exatamente o que eu queria fazer, mas não tinha conhecimento suficiente: os paralelos com as obras do Grande Mestre.

      Agradeço sinceramente, pois com isso pude ter uma visão muito mais aprofundada do que foi Kamen Rider BLACK SUN. Sinto que não só o Rei do Mangá, como também Shozo Uehara e especialmente Mamoru Sasaki teriam ficado contentes em ver essa série.

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    5. Eu cheguei a ver uma entrevista breve com o Shiraishi onde ele comenta que os personagens do Ishinomori sempre carregaram um forte sentimento de tristeza e melancolia e ele quis trazer esses elementos a tona. Por isso acredito que é sim possível que ele tivesse uma familiaridade com a obra dele até fora do gênero de tokusatsu. Outro motivo para eu acreditar nessa hipótese é que e ele dirigiu uma adaptação de O Livro dos Insetos Humanos, de Osamu Tezuka, que também é uma obra de mangá clássico e pouco conhecida do grande público. E não dá pra negar que o plano de utilizar os kaijins como super soldados bate perfeitamente com o plano dos mercadores da morte da Black Ghost em Cyborg 009 e não me surpreenderia se a unidade 731 também tenha sido uma inspiração para o Ishinomori, com a diferença de que a Black Ghost tinha uma escala global. Mas eles ainda assim visavam minorias para os seus experimentos, pessoas que poderiam desaparecer e poucos perceberiam e com isso Joe Shimamura era também um jovem mestiço e marginalizado pela sociedade japonesa.

      De fato, a série de TV do Henshin Ninja Arashi foi feita com a intenção de ser Kamen Rider no período Edo. Mas o mangá do Ishinomori é um jidaigeki bem sombrio, com um forte teor adulto e tem pouco em comum com o Kamen Rider. Como também foi publicado na Shonen Magazine, é possível dizer que o mangá difere tanto da série de TV quanto o Devilman do Go Nagai. Inclusive, tinham muitos capítulos onde o Hayate nem sequer se transformava em Arashi. Diferente do que foi feito em Kamen Rider, que começou bem próximo da versão da TV, Ishinomori também publicou uma versão alternativa e mais próxima do seriado na revista Kibo no Tomo. O motivo é que na época ainda se acreditava que o Arashi seria um sucesso tão grande quanto o Kamen Rider, mas não contavam com a competição direta de Ultraman Ace. Algo parecido aconteceu com o Kikaider, que teve de competir contra o programa de comédia The Drifters. Mas a partir de Arashi, os mangás e as versão para TV tinham sempre conteúdos distintos e os mangás geralmente visavam um público mais maduro.

      E pode sempre incluir as minhas threads no seu blog, você tem a minha total permissão! Sempre recomendo esse blog para os outros também, um dia desses mesmo eu indiquei para um amigo que estava pesquisando sobre o Robô Gigante e eu mostrei o seu artigo com a biografia do Hirayama onde conta que ele conheceu o personagem antes de ser publicado. Esse tipo de informação não se encontra fácil e mesmo a wikipedia Japonesa omite esse detalhe e faz parecer que ele foi criado sob encomenda para a Toei, que na época estava atrás de uma ideia que utilizaria elementos do Ultraman e do Daimajin. Também aprendi muito sobre o Shozo Uehara, Takeyuki Suzuki, Nobuo Yajima e tantos outros graças ao seu blog!

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    6. Agradeço mais uma vez!

      Já coloquei o link, que explica muito bem como o Grande Mestre fazia suas caricaturas políticas.

      Essa troca de conhecimentos é o que faz com que tenhamos uma compreensão melhor das obras e de como elas são feitas. Descobrir por que elas são como são. Essas informações sobre o Shiraishi e sobre como eram as coisas na criação dos seriados são altamente valiosas.

      Daqui dá para ver que foi realmente seguido o espírito de Shotaro Ishinomori em BLACK SUN. Que não ficaram só no Black (mangá) e no BLACK (TV). Colocando assim, realmente faz sentido essa associação de 009 com a Unidade 731. E acho que Shiraishi também seguiu essa linha de raciocínio, ainda mais considerando isso de terem usado minorias. Tem tudo a ver.

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  2. Primeiro respondendo a sua última frase, depois de anos ouvindo sobre a questão da "morte do autor", eu creio que qualquer interpretação contanto que exista boas colocações, é válida, logo sua visão da obra não só é muito boa como se reflete com a minha.

    Confesso, que só comecei a ver Kamen Rider e Super Sentai esse ano, e fui bombardeado com muitas dessas mensagens deixadas por ishinomori em seus mangás e da grandes equipes envolvidas nas produções televisivas.

    Essa série a princípio eu esperava um bom trabalho de desenvolvimento de personagens e umas cenas de ação com alguma violência (não conhecia até ler seu texto o histórico de muitos dos envolvidos), mas ledo engano, felizmente a equipe de um modo geral me apresentou um projeto fenomenal, que no final me deu um soco no estômago, me dói pensar no que a Aoi acabou se tornando, pra mim os fins não justificam os meios, e aqueles minutos me cortaram o coração, esse não deveria ser o caminho, mas PQP, desculpe por isso, o ser humano consegue errar, persistir no erro e ainda por cima, jogar sal na ferida, a ganância em nossa espécie, a falta de bom senso ou compaixão, só nos leva pouca a pouco à auto-destruição.

    Quero acreditar que talvez um dia possamos encontrar um meio de coexistir e quem sabe sairmos de casa sem medo, ou terminar um dia de trabalho sem ficar numa paranoia de que talvez o amanhã vai tudo ficar bem.

    Ótimo texto, li as anteriores pra ter uma ideia de suas previsões da obra e que bom saiu satisfeito, se não for incômodo recomendo o canal Ilha Kaijuu, onde o seu apresentador fez um ótimo vídeo mostrando a relação que essa série possui com o histórico político japonês, o que me deixou perturbado, é triste encarar a realidade, mas é necessário para que não geremos futuras Gorgom como a do final do seriado.

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    1. Ah sim, não deixando minha menção incompleta, no vídeo supra-citado o apresentador tambem relaciona várias das séries Riders como tambem de trabalhos anteriores do Ishinomori com Black Sun.
      Outro canal que fez um vídeo interessante sobre a série e do Kamen Rider original foi o Quadrinhos na Sarjeta, recomendo-o demais.

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    2. Obrigado, André.

      Vi os vídeos citados e achei interessante essa visão com a história do Japão. Realmente o Imperador acaba sendo usado por clãs poderosos para legitimar o seu poder. Quase se tornando o quarto dos Três Artefatos Divinos.

      Só que acabar com isso não é tarefa fácil. Tirar a divindade do Imperador implicaria em dizer que o Xintoísmo é falso e muito da cultura japonesa se baseia nele. Templos, Cerimônias de Ano Novo, Sumô e muitas referências divinas usadas em obras japonesas até os dias de hoje (inclusive jogos como The King of Fighters) perderiam o sentido. Poderia até correr o risco de se acabar com a cultura japonesa caso se adote uma visão totalmente utilitária das coisas, em que seria preciso acabar com o que não tem sentido ou utilidade prática. Embora seja certo que nos primórdios da Família Real tenha sido feito um compilado de costumes locais de cada parte do que hoje é o Japão para compor uma cosmogonia que legitimaria sua divindade (o Kojiki), mas... Mesmo assim sinto que não tenho a competência necessária para discutir esse assunto.

      Eu notei a crítica à situação política do Japão e achei pertinente. Mas resolvi pegar temas que não ficassem só nesse país e no lado obscuro da Terra do Sol Nascente (embora a série se chame BLACK SUN), já que a série foi exibida no mundo inteiro. Esses temas são o preconceito e a desumanização do outro, assim como o armamentismo desenfreado.

      E notei que os temas de BLACK SUN são os mesmos discutidos há cinquenta anos ou até mais, como abordei ai falar dessas obras e autores antigos. Isso mostra que as coisas não mudaram tanto desde essa época.

      Sei que deve ter muita coisa para você ver, mas recomendo as séries Ultra também. Especialmente os capítulos que mencionei, que podem ser vistos sem ter acompanhado os seriados inteiros. Recomendo também o episódio 39 de Ultraman Gaia, que é bem parecido com BLACK SUN, mas trazendo o que poderia ser uma resposta. E ainda tem uma referência aos experimentos com seres humanos feitos pelo exército japonês no tempo da guerra. Esse é fácil de encontrar, ainda que por meios não oficiais.

      E no Canal Oficial da Tsuburaya (https://www.youtube.com/@ULTRAMAN_OFFICIAL_) estão exibindo semanalmente Ultraseven, que tem muitos episódios com crítica social que valem até nos dias de hoje. O desta semana com o Alien Metron foi contundente e se conecta indiretamente com Devilman e BLACK SUN.

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    3. Sim, sim, eu tenho noção do quanto o misticismo no sentido mais espiritual e divino é importante pros japoneses, e não só você, mas eu tambem não tenho escopo nem lugar de fala pra dar alguma resposta a isso, felizmente Black Sun dá muito pano pra mangá sobre dezenas de coisas da nossa sociedade atual, o Brasil incluso.

      Assim que eu finalizar o Ultraman original e Ultra Q, e emparelhar com Decker, faltam 9 episódios, eu pego Ultraseven, e vou vendo as que mais recomendam.

      Tanto Sentais, Riders como PreCures, eu tô pegando uma série antiga e a mais nova pra seguir assistindo juntas e isso vem deixando a experiência bem legal.

      E essa semana eu finalmente vi o Shin Ultraman, e adorei (tambem vi o curta dos anos 80 do estúdio Daicon, feitor por Hideaki Anno e seus companheiros do futuro Ganax), só me deu ainda mais vontade de seguir com a franquia, pois alem de dar mais sentido a visão do Anno sobre suas obras originais, como me mostrou o porque dele amar tanto a esses heróis.

      Por último uma pergunta, você já viu os filmes Cutie Honey de 2004, Shin Gojira ou Shin Ultraman, obras com roteiro e-ou direção do Anno? Gostaria de saber suas impressões dessas obras.

      Obrigado pelas respostas.

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    4. Só vi o Shin Gojira. Gostei bastante, vendo todo o pessoal do governo sem saber o que fazer, com um monte de suposições e atolado em um monte de burocracias para resolver o "problema".

      Mostrou de forma bem verossímil o que aconteceria se aparecesse um monstro gigante em uma realidade parecida com a nossa. Ainda mais um daqueles que supera a compreensão humana em todos os sentidos.

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  3. Escritora ao dispor e que finalmente pode terminar de assistir "Kamen Rider Black Sun". Penso que foi uma série com elementos de tokusatsu e não uma série tokusatsu como as que vemos por aí. Que trouxe questionamentos sobre a humanidade, do preconceito e dos dilemas quanto aos dois lados, humano e kaijin.

    Não sou uma expert em pegar todas as referências ou de ter uma visão ampla a respeito da obra, deu pra ler na matéria e nos comentários presentes sobre, então, minha opinião é mais de uma expectadora. Adianto que a abordagem e os comentários foram muito interessantes de ler.
    Consigo entender porque teve gente que não entendeu a ideia geral da série ou não gostou do que viu, porque esperavam algo mais como uma releitura moderna do "Kamen Rider Black", como meio que houve em "Kamen Rider Amazons". Vale dizer que ambos tem propostas bem diferentes, mesmo destinadas ao público adulto.
    Num geral, tirando sim uns furos de roteiro, que dá pra ignorar, foi uma trama bem realista e cruel, com personagens que souberam agregar, em menor ou maior grau, toda a trama abordada. Gostei do Kotaro e do Nobuhiko, ambos carregando fardos que culminaram no destino de ambos; da Aoi e de como sua visão de mundo altera conforme aprofunda na realidade da obra; senti pena do Shunsuke, mesmo sendo posto lá, era a realidade sonhadora e jovial que temos, até a realidade mostrar que nem tudo pode ser o que queremos que seja; os demais personagens cumpriram seus papéis. Valeu a pena conferir. Até mais!!!

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    1. Obrigado, Escritora!
      Acho que é bem por aí. Uma série com elementos de tokusatsu. Uma das propostas era mesmo a de ter uma equipe que nunca trabalhou com isso para fazer uma série assim.

      Realmente acho que muita gente imaginou algo fantasioso, com o herói salvando o mundo, e não uma obra mais próxima da realidade, que é cruel e destroça sonhos e ideais, até mesmo corrompendo-os. E mostrando que é muito difícil, quase impossível mudá-la. Isso foi o que eu também senti.

      No total foi uma boa série. Não foi perfeita, justamente pelos furos, mas ainda assim levou a cabo a proposta. Por isso gostei muito. E espero poder ver mais algo nesse sentido um dia.

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  4. Dá para traçar um paralelo com séries, games e filmes sobre apocalipse, como The Last of Us, por exemplo. Os monstros estão dentro de todos a ponto de, frente a uma situação catastrófica que afeta a todos de maneira igual, as pessoas ainda continuam usando e matando umas às outras ao invés de se unirem contra uma adversidade em comum.

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    1. Obrigado pela visita!

      Fui dar uma lida sobre The Last of Us e a situação é bem cruel, com os humanos todos separados em facções ao invés de se unirem para tentar descobrir um jeito de curar os infectados e erradicar o fungo.

      E pensar que antigamente havia obras que mostravam a humanidade se unindo diante de um inimigo comum, o que parecia ser uma das soluções para os conflitos mundiais. Em G.I. Joe tinha os Cobra, uma ameaça tanto para os americanos quanto para os soviéticos. Em Rom, o Cavaleiro do Espaço teve a Guerra dos Espectros. E no jogo Langrisser era mencionado que os Demônios tinham sido criados para que os humanos lutassem com eles e não brigassem entre si.

      Mas os eventos recentes mostraram que isso é só fantasia e a coisa é mais próxima de The Last of Us mesmo. Uma coisa bem assustadora, vendo bem.

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  5. Olá. Gostaria de parabenizar esse texto, ficou incrível e gostei muito da sua análise.

    Black Sun traz à tona tudo o que sempre me incomodou e o que hoje me assombra: incertezas e nostalgia. Talvez por eu ter uma visão mais pessimista da vida, essa série me impacta de um jeito diferente, afinal, a luta eterna é, ao meu ver, uma prisão na qual os humanos já nascem condicionados a enfrentar. E é por isso que a nostalgia me impacta de um jeito muito forte. Como você disse, tudo parecia mais simples e os pensamentos pessimistas de hoje não me afetavam quando era mais jovem. Vejo Kotaro e Nobuhiko como duas faces que às vezes encontro dentro de mim mesmo. Um lado querendo se manter firme por uma postura e o outro revoltado e com vontade de destruir tudo.

    Fico impressionado em como a música de encerramento combinado à série em si constroem uma verdadeira atmosfera cinza, nos lembrando da complexidade da realidade e em como alegrias são momentâneas enquanto as decepções nos assombram o tempo todo. Especialmente nessas partes (início e refrão):
    "Did you see the sunrise? Black shining sadness
    Tell me, tell me
    Why whas it born?
    Waiting, waiting
    Believe in promise
    Even if this body decays
    Waiting over time"

    "Owaru koto nai destiny
    Todoku koto nai message
    Mou nukedasenai no, I don't know
    Kako ni modore wa shinai
    Kono mune ga umidashita guzo
    Nari yamanai raimei
    Itsumade demo nounai saisei
    Mou nukedasenai no, I don't know
    Kono yami ni kotae wa nai
    Eien ni ochite ku, don't cry anymore
    Oh, tell me destroyed?
    Or protect it without destroying?"

    As frases que mais me pegam e que melhor associo com a série são "Did you see the sunrise? Black shining sadness" (um nascer do sol que já prenuncia uma certa tristeza), "Why whas it born?" (qual o sentido de nascer algo assim?), "Owaru koto nai destiny" (luta eterna), "Todoku koto nai message" (uma importante mensagem que nunca alcança todos), "Kako ni modore wa shinai" (não há como voltar ao passado), "Nari yamanai raimei" (uma tempestade sem fim), "Kono yami ni kotae wa nai" (não se encontra uma resposta para as nossas trevas), "Oh, tell me destroyed? Or protect it without destroying?" (será que conseguimos fazer do melhor jeito ou só acabamos destruindo tudo? Tem como fazer as coisas certas sem se sacrificar?).

    Olhando para as simbologias e representações da série, conseguimos traçar vários paralelos com nós mesmos, com nosso entorno e com a humanidade em geral. Kamen Rider Black Sun é muito reflexivo e mostra que o tokusatsu, especialmente "Kamen Rider", merecia mais espaço.

    Obrigado pela análise!

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    1. Esqueci de mencionar sobre a importância de os japoneses estarem enxergando e admitindo algumas trevas de seu passado. Isso é importante para que não se repita. Quando mais jovem eu admirava cegamente o Japão. Com o tempo, descobrindo suas trevas, junto a relatos de familiares que estiveram lá, hoje vejo o Japão diferente: ainda gosto muito de suas produções e seus ambientes urbanos e naturais, suas culturas positivas; mas no fim, é um país como qualquer outro. Não existe paraíso na terra.

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    2. Obrigado, Kakughost.

      Uma vez eu disse que uma obra adulta tem que trazer um certo desconforto. É porque ela nos faz pensar em algo que nos incomoda, mas que precisamos encarar. E nos faz pensar sobre nossa condição. No seu caso teve um efeito bem forte, pelo que pude ver.

      Bem levantados esses pontos da letra da canção tema. É bem o que a gente vê na série, de uma luta que não acaba e parece não vir um amanhecer.

      O Japão é um país muito bom, mas seus habitantes no fundo são como nós. Ou seja, humanos, com suas falhas, vícios e preconceitos. Percebi isso ao ler o que eles escrevem quando ficam no manto do anonimato. O "Honne" (o que pensam de verdade) por trás do "Tatemae" (literalmente "fachada"). Foi nessa que me desiludi, mesmo depois de me maravilhar com as coisas de lá ao morar por um ano no Japão. Mas ainda acredito que tem gente boa, sim, além de um monte de coisas boas. Por isso que eu também ainda gosto de lá apesar de tudo.

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Peço que os comentários sejam apenas sobre assuntos abordados na matéria. Agradeço desde já.

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