domingo, 20 de agosto de 2023

アニメができるまで - Como se faz Anime

Saudações.

Terminei de ler o livro アニメができるまで (ANIME ga dekiru made, algo como "Como se faz Anime"), do diretor Takashi Otsuka. Abaixo segue um resumo e impressões.


Obs.: não se trata de uma tradução ipsis-litteris do livro, mas apenas um resumo com algumas notações e interpretações baseadas em meus conhecimentos sobre o assunto. Recomendável a leitura do original para se ter acesso ao conteúdo na íntegra.



A proposta do livro é de explicar de forma fácil e didática como são feitos os desenhos animados japoneses, assim como as funções de cada membro da equipe. Para isso é adotado o formato de diálogos entre três personagens.

Uma delas é Yuuri, estudante do 2º Ano Ginasial, a típica fã casual, que adora Anime, mas sem saber muito dos aspectos técnicos, indo mais pela diversão mesmo. O outro é Shinji, do 2º Ano Colegial, amigo de infância de Yuuri, também fã de Anime, porém de forma mais profunda, querendo saber dos bastidores e diz não se interessar por obras mais popularescas ou infantis.

E quem vai guiar os dois é o terceiro personagem, chamado simplesmente de "Diretor", mas que é visivelmente baseado no próprio Takashi Otsuka, e vai dar o passo-a-passo de como é feito um Anime desde sua concepção. Para ajudar a guiar os dois no processo, é usado 残光のキビカ (Zankou no KIBIKA, algo como "Kibika do Arrebol"), baseado no mangá de mesmo nome, por Yuya Takahashi.


Nota: Este Yuya Takahashi (高橋優也) é um animador, conhecido por seu trabalho em Dragon Ball Super. Não confundir com o roteirista que trabalhou nas séries Kamen Rider (高橋悠也) e nem com o fotógrafo cujo nome se escreve exatamente igual.


Otsuka tem bastante experiência no ramo, pois trabalhou com adaptações, como ONE PIECE e com obras originais como as séries Precure, tanto nas séries de TV quanto em especiais de cinema. Ele foi Diretor na Toei Animation e atualmente é freelancer. Sendo assim ele está por dentro de todos os processos e tem currículo o suficiente para falar do assunto.

O texto foi feito por Takayuki Hotta e os desenhos por Yasuaki Funayama.


De Quem é o Anime?

Fazer um Anime exige pessoal para fazê-lo, uma enorme equipe de aproximadamente 200 a 300 pessoas, com várias funções. Um episódio de 30 minutos tem aproximadamente 7000 fotogramas, todos desenhados a mão (ou tablet, dependendo do desenhista). Então exige bastante mão-de-obra e assim é preciso dinheiro para pagar esses profissionais e para os demais custos de produção. A estimativa para um episódio é de aproximadamente 200 milhões de ienes.

Para angariar esse dinheiro são criados comitês que têm a participação da empresa que vai fazer o Anime de fato, da emissora de TV e/ou pela distribuidora de cinema, dos fabricantes de mídias audiovisuais (CDs, DVDs, Blu-Rays etc.) e algumas vezes de fabricantes de brinquedos ou outros produtos relacionados. Obviamente cada uma dessas empresas tem interesse em vender seus produtos e por isso eles investem na ideia, esperando por retorno.

No começo é estipulado se o Anime vai ser uma adaptação de alguma obra pré-existente (mangá, light novel etc.) ou se vai ser feito algo original. Tudo baseado em pesquisas sobre as tendências atuais, tentando determinar o que o público quer ver e que, consequentemente, venderá mais.

Nisso é feito o Projeto (企画, Kikaku), a Visão, com um resumo sobre qual o nome da obra (pode ser temporário), seu direcionamento, seu tema, o público-alvo, que empresa vai fazer a animação e quem será chamado para ser o Diretor.


O Papel do Diretor

O Diretor (監督, Kantoku) é parte muito importante para a criação do Anime, pois é ele quem dará as diretivas de como as coisas serão feitas, a Visão, as "regras", que devem ser transmitidas para a equipe. E por isso é preciso que ele tenha uma boa capacidade de comunicação, caso contrário o Anime pode ser um fracasso.

Geralmente o Diretor costuma ser convidado pelos Produtores (プロデューサー, PRODUCER) e tem o direito de recusar, caso não se julgue apto ou por outros motivos. E se o Anime for baseado em uma obra de alguma outra mídia, o Diretor geralmente é escolhido por ter a melhor sintonia com ela.

Ainda, de acordo com o livro, existem basicamente dois tipos de diretores: o Autoral e o de Entretenimento.

O Autoral é aquele que cria trabalhos mais profundos e seu nome é bastante conhecido pelo público. Suas obras são essencialmente artísticas, com grande cuidado e não são algo que tem foco principal no consumo e nem se importam tanto com o espectador. Tanto que eles mesmos têm a iniciativa de criar seus próprios projetos. Como exemplos são citados Hayao Miyazaki, Hideaki Anno e Makoto Shinkai.

O de Entretenimento já não tem seu nome muito conhecido pelo público e seus trabalhos são voltados para o consumo, ao divertimento, focado no espectador. São chamados para obras mais populares, de grande difusão e são a maioria. Otsuka se classifica como sendo um assim e não vê problemas em passar despercebido, achando que isso é o ideal.


Nota: mesmo assim, pessoalmente conheço o trabalho e guardo nomes como os de Junichi SatoYuuta Tanaka, Tatsuya Nagamine, Yutaka Tsuchida ou do próprio Takashi Otsuka. E confio mais neles.


É atribuição do Diretor compor a equipe de criação, como o Diretor de Arte, o Desenhista de Personagens e os Roteiristas. Estes três serão os pilares da criação do Anime.


Criando os Personagens

A criação de personagens é parte importante no Anime, pois eles são os "atores" que irão contar a história com seus movimentos e expressões. Para isso é chamado um desenhista que já tenha passado por todos os estágios da criação da animação. Tanto que o Character Designer, ou Desenhista de Personagens (キャラクターデザイン, CHARACTER DESIGN), é descrito como o ponto mais alto da carreira de Animador.

O Character Designer recebe as definições do Diretor e/ou do Produtor sobre os direcionamentos da obra e de como devem ser os personagens. Algumas vezes o Diretor dá um esboço de como ele quer que sejam enquanto que em outras é dada total liberdade ao desenhista.


Nota: Não é contado no livro, mas a desenhista Toshie Kawamura conta que alguns designs são baseados em ideias dadas pela fabricante de brinquedos (ex: Bandai, Takara Tomy). Isso é especialmente verdade em animes de robôs.


Os designs têm de ser "animáveis" e por isso não podem ser muito complexos, uma vez que fazer uma animação exige desenhar milhares de fotogramas. E algo muito detalhado pode comprometer o ritmo da produção ou degradar a qualidade.


Nota: Também não está escrito no livro, mas Akira Takahashi, ao desenhar as personagens de Suite Precure♪, fez as roupas com muitos babados e pregas, o que deu à equipe muito trabalho, já que tiveram muita coisa para desenhar em cada fotograma.


Mesmo as adaptações de outras obras precisam de um Desenhista de Personagens, pois muitas vezes os designs originais são complexos demais para serem animados de forma consistente. Por exemplo, em um mangá, cada quadrinho é feito com muito capricho, cheio de detalhes nas roupas, nos olhos e nos cabelos. Em desenhos "estáticos" é possível fazer algo elaborado, com mais traços.

Sendo assim, são feitas simplificações, mudanças, mas fazendo de tudo para que fique fiel ao original e seja possível identificar cada personagem. Um trabalho que exige bastante discernimento e muita habilidade.

Exemplo com Mahou Shoujo Lalabel.
Na ordem do texto, a versão em mangá da criadora Eiko Fujiwara e a versão em Anime.
O mangá é bem mais detalhado. Imagem de meu acervo pessoal e não do livro.

O Character Design é importante para que os animadores tenham um modelo em comum para se basearem. Caso contrário, cada desenhista faria do seu jeito, seguindo sua própria interpretação do personagem e haveria muitas disparidades entre cada corte. Para isso, o Desenhista de Personagens deixa tudo esquematizado, mostrando como é o personagem de frente, de costas e de lado, assim como uma tabela com expressões faciais para cada tipo de situação.


Criando os Cenários

Os cenários (背景, Haikei) são atribuição do Diretor de Arte (美術監督, Bijutsu Kantoku) e também são importantes, pois são eles que vão mostrar como é o local ou o mundo em que se passa o Anime. Se é algo fantasioso, moderno, futurístico ou o que for. Esses são os Conceitos de Arte (美術設定, Bijutsu Settei) e assim como nos personagens, é chamado pessoal que tenha habilidade em desenhar cada tipo de lugar.

Geralmente os cenários são feitos por equipes diferentes dos animadores, visto que não é preciso fazer muitos fotogramas e permite um capricho maior. Com isso há um ganho de eficiência e os animadores podem focar nos personagens.

São feitos arranjos entre as duas equipes de modo que haja integração entre os cenários e os personagens, para que nada pareça deslocado. Um fator importante é a esquematização de cores  (色彩設計, Shikisai Sekkei), que também é feita pela equipe de Arte, sendo que os animadores não mexem com essa parte e cuidam só dos traços.


Criando a História

Enquanto os personagens são os "atores", os cenários são as "locações", agora é necessário ter uma história para ser contada. É aqui que entram os roteiros (脚本, Kyakuhon), que dirão o que os personagens estão fazendo, quando, onde e as suas falas, em um trabalho em conjunto com o Desenhista de Personagens e o Diretor de Arte, sendo que o Diretor supervisiona tudo.

Tem também a figura do Compositor de Série (シリーズ構成, SERIES Kousei), que geralmente (mas não necessariamente) é o chefe dos roteiristas. Sua função é definir o que acontecerá em determinados pontos da série, tudo seguindo os pedidos do Diretor ou do Produtor. Ele também checa a continuidade para ver se não há inconsistências entre um capitulo e o restante da série.

O Compositor de Série é necessário também em adaptações pois os mangás e livros seguem um ritmo diferente de um desenho animado. Um episódio de um mangá ou o capítulo de um livro não tem necessariamente conteúdo para um episódio de 30 minutos de uma série de TV. Às vezes tem mais, às vezes tem menos. E é preciso ter esse planejamento de quais partes serão adaptadas em em qual momento. E, se necessário, condensando vários volumes em um capítulo, ou criar um arco de vários episódios em um volume em que acontece muita coisa.

Esta parte não é abordada muito profundamente, sendo que o foco maior é na animação mesmo, no "Sakuga".


O que é Sakuga?

Com tudo preparado, finalmente começa a fase de feitura do que vai ser mostrado na tela. Os Diretores de Animação recebem os esquemas do Desenhista de Personagens e os storyboards do Diretor, que por sua vez passam o trabalho para os desenhistas de quadros-chave e os animadores, que farão os quadros intermediários.

Essa é a parte que se chama de "Sakuga" (作画). O significado original é simplesmente "desenhar", "criar um desenho", mas no Anime o termo designa a animação dos personagens e de tudo o que se move na tela.


Nota: esse termo existe em Tokusatsu também e o sentido é o do original, de desenhar, por exemplo, os raios dos heróis e dos monstros.


Tudo começa com o storyboard feito pelo encarregado da dramatização (演出, Enshutsu), que seria o diretor do episódio, se for uma série ou a pessoa que cuida de um trecho de um filme. O storyboard define o que será mostrado em cada corte de câmera, um esquema com a angulação, expressões e anotações do lado de cada imagem. Tudo para que a equipe de animação possa fazer do jeito que foi imaginado pelo Diretor ou por quem fez o storyboard. Para isso não é preciso ser bom com desenho, bastando apenas ser capaz de transmitir suas ideias.

Também é dita a diferença entre "corte" e "cena". O "corte" é quando a câmera pararia de filmar para passar para outro ângulo. A "cena" é algo mais abrangente, quando o local muda e é composta por vários "cortes".

Com o storyboard pronto, é feita uma reunião com a equipe de animação para fazer o layout, com mais detalhes do que vai acontecer em cada corte. Isso é atribuição do Diretor de Animação (作画監督, Sakuga Kantoku) que supervisiona os trabalhos para ver se todos os desenhos estão consistentes e se estão de acordo com os esquemas do Desenhista da Personagens, fazendo correções se for necessário.

Caso se trate de uma série, existe também a figura do Diretor Geral de Animação (総作画監督, Sou Sakuga Kantoku), que nesse caso coordena tudo para que não haja discrepâncias nos desenhos entre cada capítulo. Essa função foi implementada após o advento do vídeo cassete, sendo que até então, cada episódio era para ser feito para exibição única ou reprisado de forma esparsa. Mas agora dá para ver vários capítulos seguidos ou a série toda, até repetidamente, e as disparidades acabariam ficando muito evidentes.

Os animadores mais experientes e/ou mais habilidosos cuidam dos quadros-chave (原画, Genga), os desenhos principais, mais ou menos aqueles que ficam no começo, no meio e no fim de cada movimento. Nessa parte também é definido o ritmo de cada corte, em que parte o movimento vai ficar mais rápido ou mais lento, dependendo do que se quer que seja representado (dramaticidade, comédia, impacto etc.), seguindo uma tabela de tempo, que caiba dentro do storyboard e do roteiro.

Daí é a animação propriamente dita (動画, Douga) em que são feitos os fotogramas tendo um quadro-chave como base, desenhando por cima dele, usando papel especial, assim criando os quadros intermediários (中割り, Nakawari) que se conectam com o próximo quadro-chave, o que garante que tudo fique integrado. Atualmente são usadas técnicas digitais, então há alguns que trabalham em casa mesmo, mas ainda assim há aqueles que se valem de métodos tradicionais.

A checagem do movimento não é feita pelo Diretor de Animação, mas por outros membros que verificam se está tudo em ordem. Isso é para agilizar os processos e liberar o Diretor de Animação para focar só no desenho mesmo.

Esse trabalho é a base da pirâmide, sendo que é aqui que se começa a carreira no setor de animação e é com esse processo de desenhar por cima do quadro-chave que o animador vai se instruindo e ganhando prática. Foi assim que o próprio Otsuka deu seus primeiros passos até chegar onde está agora.

Também são abordados os erros e falhas de animação, com quadros "feios", "malfeitos" que são expostos impiedosamente na internet por alguns usuários de redes sociais, com a desonrosa alcunha de 作画崩壊 (Sakuga Houkai, desenho arruinado). O Diretor é categórico em dizer que o motivo disso ocorrer não é culpa do desenhista, mas sim da falta de organização, da incapacidade de gerenciar os cronogramas por parte da coordenação do projeto. Pois havendo tempo hábil é possível fazer correções ou designar outra pessoa quando necessário. E também é essa falha na estrutura que pode por um Anime a perder, criando uma obra ruim.


O Mundo em Cores

O próximo passo é colorir os desenhos, já que os animadores só cuidam do traço. Isso é feito seguindo as especificações planejadas pela equipe do Diretor de Arte, que têm os tons de cor esquematizados para que sejam aplicados (色指定, Iro Shitei). Este processo está contido no processo de acabamento (仕上げ, Shiage).

Antigamente os desenhos eram impressos em acetatos de celuloide (セル画, CELL Ga) e é por isso que alguns chamam as animações japonesas convencionais de "Cell Anime". Essas transparências são feitas para que os desenhos possam ser combinados com os cenários para depois serem filmados, mas atualmente são empregados processos digitais, o que facilita em muito o trabalho.

Os cenários são feitos geralmente por um estúdio especializado independente, como a BON.Corp e a studio ART.ON, seguindo os esquemas feitos pelo Diretor de Arte. Diferente das animações, os cenários já são feitos coloridos.


Juntando as Peças

Com tudo pronto é feita a filmagem (撮影, Satsuei), juntando os personagens ao cenário. Antigamente era usado um gigantesco engenho com uma câmera para filmar, e vários motores e painéis para sobrepor os fotogramas de animação e os cenários. Mas agora, tudo é feito em um computador pessoal com softwares especializados.

É nessa hora que são feitos ajustes de velocidade e colocados os efeitos de luz que fazem com que, por exemplo, os raios lançados pelos personagens realmente brilhem. Também dá para ajustar o foco de cada camada (de personagens, de cenário etc.) para dar uma ideia de profundidade ou fazer algo parecer estar se aproximando ou se distanciando. Nisso, o Diretor pode usar sua toda criatividade e até "brincar" um pouco para fazer com que o Anime fique como ele imaginava... ou até melhor.

Mesmo nos tempos antigos eram usadas trucagens criativas.
Como esta em Hokuto no Ken, em que o acetato foi rasgado para representar o ponto de vista do vilão Jackal, quando ele já estava morto.

Só que ainda assim não está tudo pronto, já que as filmagens são feitas a cada corte. Depois de tudo filmado, a equipe inteira se reúne para fazer as checagens para ver se está em ordem e refazer, se necessário.

Com tudo certo, é passar para a próxima etapa, que é a Edição (編集, Henshuu) para ordenar os cortes seguindo o storyboard, assim juntando as peças. Nisso também são feitos os ajustes de tempo, como encurtar uma parte que ficou muito longa e vice-versa. E assim, com as imagens prontas, pode-se passar para o som.

Terminar primeiro o visual para depois trabalhar o áudio é regra no Anime. E uma vez apresentado o material editado, não pode ser mais alterado. Isso também é regra para evitar atrasos na produção.


Sons e Música

O Som é um elemento importante no Anime. Temos a Música (音楽, Ongaku), os Efeitos Sonoros (効果音, Koukaon) e as Vozes feitas pelos atores especializados.

As Músicas são encomendadas pelo Produtor e pelo Diretor na mesma época em que são pedidos os Desenhos de Personagens e as definições de cenários. Para isso é chamado um Diretor de Som (音響監督, Onkyou Kantoku) e um Compositor de Música (作曲家, Sakkyokuka).

Depois de ouvir do Diretor as propostas e diretivas do Anime, são compostas várias músicas para cada situação e cada parte como o título, as cenas do próximo episódio, cenas de luta, momentos emocionais etc. Para uma série de TV o ideal é ter em torno de 50 dessas músicas.

A abertura e o encerramento geralmente são pedidas para outro artista. Algumas vezes já está definido um artista pela Gravadora que integra o comitê, com o intento de promovê-lo. Em outras é chamado algum cantor que seja adequado. E em outras pode ser cantado pelos Atores de Voz que integram o elenco do Anime.

Já os efeitos são criados a partir de objetos do cotidiano, como o som de uma faca cortando repolho, em busca do que for mais adequado para representar uma situação. Para isso é preciso fazer muitas pesquisas e ter bastante imaginação. Nesses aspectos, não é muito diferente do Tokusatsu.


Atuando com a Voz

Um elemento importante no Anime e que atualmente tem tido bastante projeção são os Atores de Voz (声優, Seiyuu). Ou Dubladores, como queira.

Há quem acredite que a representação do personagem é mérito total do Dublador (eu, por exemplo), mas na verdade, no Anime os "atores" são feitos por várias pessoas. A aparência é feita pelo Desenhista de Personagens, as expressões faciais são feitas pela equipe de animação, enquanto os Dubladores fazem... as interpretações com vozes.

A seleção é feita já quando o Character Design está pronto, mais ou menos seis meses ou até mesmo um ano antes da exibição do desenho. E são chamados cerca de dez candidatos para cada personagem. Ter capacidade de interpretação é bom, mas nem sempre é o quesito para se ser aprovado. Ganha aquele que capta o que os produtores e diretores estão procurando e demonstrar que consegue entregar isso.

Algumas vezes são chamados atores de renome para promover uma obra que não é muito conhecida do público, desde que tenha espaço suficiente na agenda. A projeção dos Dubladores na mídia é um fator que é considerado nesses casos e pode ser um fator para atrair espectadores que não iam ver o Anime, mas são fãs de determinado Dublador.

Ou seja, existem várias condições que mudam de acordo com a situação. Mas o mais importante é encontrar o Ator mais adequado para o papel.

Nas gravações (アフレコ, AF RECO; abreviatura de After Recording), primeiro os Dubladores leem os roteiros e veem as imagens sem muitas orientações por parte dos diretores, a não ser no primeiro episódio, em que são dadas explicações bem básicas. Só depois são feitas discussões para ver o que os Dubladores entenderam das cenas e dos personagens para então fazer testes e acertos sobre como interpretar. Algumas vezes há algumas discrepâncias, mas é nisso que se descobrem jeitos que acabam trazendo resultados melhores que o que foi planejado, pois algumas vezes os Dubladores percebem algo nos personagens que os diretores não haviam visto.

O ritmo é dado pelos roteiros e nessas o Diretor de Som faz pedidos para que o Dublador ajuste o tempo de cada fala. Mais uma vez, diferente da crença popular, essa parte não é atribuição do Dublador.


Entregando o Pacote

Depois de tudo pronto falta apenas a etapa de colocar sons no Anime (ダビング, DUBBING). E esta, para Otsuka, é a melhor parte e a mais divertida do processo. Nessa é possível fazer mixagens com as vozes, colocando efeitos de eco ou abafando para dar mais dramaticidade, força, ou comédia. E também ajustar o volume da música para esse mesmo fim.

É nessa etapa também é que feita a escolha das músicas para cada situação. Algumas vezes, uma música feita para uma cena não tem carga dramática suficiente, sendo necessário usar outra. E nessas surgem combinações inesperadas em que uma música que originalmente foi composta para cenas alegres transmite mais tristeza para determinada situação.

Essa escolha de músicas é feita pelo Diretor e pelo encarregado da Dramaticidade e não pelo compositor, para garantir que será despertada a sensação que eles desejam e isso exige bastante sensibilidade. Uma situação parecida com a que o diretor Akio Jissouji conta ao falar como foram as filmagens de Ultraman.

Para finalizar é juntar com o vídeo (V編, V Hen, abreviatura de ビデオ編集, VIDEO Henshuu, Edição de Vídeo). Aqui são colocados os créditos e feitos os últimos ajustes, como no som caso haja descasamento com as imagens. Com isso se obtém o Pacote Completo (完パケ, Kan PACKE; abreviatura de 完全パッケージ, Kanzen PACKAGE), que é o que vai para a emissora de TV ou para a distribuidora nos cinemas. É feita mais uma exibição com a equipe e com isso tudo está completo.


Plano de Carreira

No livro também tem dicas de como fazer carreira na indústria do Anime. São levantadas as vantagens e desvantagens de se trabalhar em empresas grandes como a Toei Animation ou estúdios menores, assim como qual é o melhor para se começar.

E também é dado quanto cada tipo de função ou atribuição, ao menos de acordo com o que Otsuka pesquisou. Se é por trabalho, se é um salário fixo e também se ganha royalties. São dados bem interessantes, que também ajudam a entender como são as coisas.

Existe oportunidade também para quem não sabe desenhar. Uma delas é trabalhar como Assistente de Produção (制作進行, Seisaku Shinkou; não deve ser confundido com o Produtor Assistente). Eles são os "leva-e-traz" que fazem os contatos, gerenciam prazos e garantem a comunicação entre os encarregados de cada parte da feitura do Anime, coordenados pelo Gerente de Produção (制作担当; Seisaku Tantou). Essa é uma função que não tem tanta projeção, mas é indispensável para que o Anime seja feito.

A conclusão que pude tirar é que trabalhar com Anime é como trabalhar em uma empresa comum. Pode-se começar com uma coisa e acabar fazendo outra que nem se esperava. Descobrir algum tipo de talento escondido ou simplesmente ser levado por circunstâncias. Cada um tem sua história e Otsuka conta a dele.


Expandindo o Campo de Visão

Foi uma leitura altamente proveitosa, em que foi possível ver como funcionam as coisas na indústria do Anime, de suas flores e suas dores. Mais uma vez, tentei condensar as ideias do livro, que tem muito mais detalhes e explicações. Por isso, para quem se interessar realmente o melhor é comprar e ler na íntegra.

O livro traz muito mais detalhes sobre cada processo, os "comos" e os "porquês", inclusive explicando termos como a "Linha Imaginária" para compor os storyboards. Isso tudo além do próprio plano de carreira, que pode ser muito útil para quem deseja trabalhar com Anime um dia. E tem várias fichas sobre cada função na indústria, uma estimativa do quanto se ganha, se é salário fixo, por trabalho ou por hora, quais são as qualificações, assim como por onde começar.

No livro também são abordados temas um tanto espinhosos, como os problemas que a indústria passa, com a falta de pessoal no mercado de animação para fazer os fotogramas, assim como as condições de trabalho. E também do uso de gente famosa para interpretar alguns personagens, por vezes destoando da imagem e sem ter experiência com dublagem ou mesmo atuação, criando estranheza.

Só que como o livro foi publicado em 09/11/2022, ainda não se fala de temas mais recentes como o uso de Inteligência Artificial nos processos (embora haja uma notação de que não há perspectivas para a implementação a curto prazo). Mas fala dos motivos de se usar tão pouco a Computação Gráfica para se fazer uma série ou um filme inteiro. Seria uma questão de estética, já que os personagens japoneses são bem simplificados e permitem várias possibilidades de expressões, usando "deformidades" e "distorções". Algo que ainda é difícil de se fazer com CG atualmente.


Nota: ainda assim existem diretores que conseguem fazer CGs expressivos com excelência, como Hiroshi Miyamoto.

Do especial de cinema de Go! Princess Precure.
Os CGs de Miyamoto são altamente expressivos.


Também é proveitoso para o espectador comum, que não planeja trabalhar com Anime, que tem a oportunidade de saber como são os processos de se levar o entretenimento para a tela. Claro que para se ser um fã de Anime não é preciso saber todas essas coisas, mas com isso dá para ter novas perspectivas e com isso outros meios de se curtir as obras do gênero. Algo que o próprio Otsuka propõe no livro.

Como o tema é explicado em diálogos, fica bem fácil de ler. A linguagem é clara, só com alguns termos técnicos que são logo explicados. E além de esquemáticos, existem partes no formato de quadrinhos intercalando e ajudando a compreender melhor. Sendo assim não é preciso ter um conhecimento muito avançado do idioma para ler. Só que por ser em diálogos, a orientação de leitura e a disposição das páginas é a ocidental (da esquerda para a direita), em linhas e não em colunas como é o usual.

O livro tem 212 páginas e por isso pode ser lido rapidamente. Seria uma boa se alguma editora pudesse trazer para cá. Ou quem sabe a Crunchyroll não possa traduzir e disponibilizar digitalmente, já que se trata de um assunto que interessa para seus usuários.

Pode ser adquirido em lojas especializadas ou livrarias no Japão com enviam para cá. O livro obviamente está em japonês e é obrigatório ter conhecimento do idioma.


Processos de animação são bastante dissertados pela Sakuga ONE em seu site e em suas redes sociais, focando no aspecto do "Sakuga", como seu nome diz. Lá tem bastante coisa que vale a pena checar para se aprofundar no assunto e é o material mais rico em língua portuguesa.

8 comentários:

  1. Que matéria sensacional, nobre Usys.
    Gosto demais de saber como funcionam as coisas nos bastidores. Não é à toa que Bakuman é meu mangá favorito e recentemente terminei o animê Shirobako, que é bem semelhante ao que foi dito aqui. É algo que devemos dar bastante valor, pois é um empenho muito grande de muita gente!

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    1. Obrigado, Adelmo!

      Conhecer os processos sempre é uma coisa interessante e nos dá novas perspectivas para saber onde estão os problemas realmente e saber o que podemos exigir da equipe.

      Takashi Otsuka trabalhou em um filme em live-action chamado Haken Anime!, que também trata do assunto. E tenho que checar Bakuman e Shirobako.

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  2. Escritora ao dispor e bem, sempre é bom conhecer como que são feitos os animes. Bem, não sou das que pega os pontos mais técnicos e sim se o resultado em tela realmente funcionou ou não. Tem toda uma equipe, um grupo inteiro só pra produzir uma produção animada que tem o intuito de botar em tela sua obra. Acho demasiado chato os que ficam criticando duramente que sua obra favorita não está sendo adaptada ao pé da letra, porque o que se vê é uma adaptação e não uma transposição do original. Pra este pessoal, digo que basta não assistir mais o anime específico e fim de papo.
    Ver como a obra será feita e seus resultados é o que fascina a acompanhar animes, sejam de obras consagradas ou não. Já em termos de vozes, admito que é sim um adicional, pois quem trás a voz pode interpretar o personagem e sim, tem casos que escolher alguém mais conhecido coloca a obra mais em evidência ou sente a interpretação ideal pra tal personagem. É um dos aspectos em animes e também em tokusatsu que acompanho, não diretamente.
    De resto, uma boa leitura sobre como se faz um anime não é algo tão simples, ao mesmo tempo, é fascinante todo o processo que segue até o produto final. Até a próxima!!!

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    1. Obrigado, Escritora!

      Conhecendo os processos a gente fica sabendo por que as adaptações não são 100% fieis. São linguagens diferentes e Yuji Kobayashi abordou isso em um outro livro também. E bom ver que entende, mesmo focando no resultado. Acho que essa é uma boa posição.

      Nessa também a gente fica sabendo por que escolheram determinado ator para aquele personagem. E também por que chamam uma novata para uma protagonista, às vezes. Que tem muitos fatores envolvidos. Uma outro trabalho do Otsuka que aborda essa parte é um livro de Menina Mágica que apresentei aqui um outro dia, a Miracle Ramiy.

      E agora, sabendo quem faz o quê, dá para saber de quem é o mérito, quando é um sucesso, e de quem é a culpa, quando é um fracasso. Também, com essa nova perspectiva, dá para curtir mais a fundo... embora eu sinta que a equipe queira mais que se veja o resultado mesmo.

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  3. Olá! Muito obrigado por compartilhar! É muito interessante ver de fato como funciona o mundo da industrial audiovisual e do entretenimento, principalmente de animações em geral. Dá pra ter uma ideia que não é nada fácil, mas tem seu chame rsrsrs.... Mais uma vez valeu mesmo!

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    1. Obrigado, Mateus Rodrigues!
      Saber como são as coisas nos bastidores não é algo que a gente precisa, mas ajuda a curtir ainda mais aquilo que gostamos. Pois com isso descobrimos que eles às vezes têm que fazer mágica para nos dar entretenimento. Respeito muito o trabalho deles.

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  4. Salve, Usys!! Uma excelente matéria, e achei particularmente útil para mim, pois alguns pontos sempre ficaram um pouco obscuros, ou imprecisos. Eu também tenho a impressão de que Takashi Otsuka tentou ser o mais conciso possível, e possivelmente os limites de certas atribuições podem ser imprecisas mesmo, como em todo processo criativo colaborativo.

    Gostaria de oferecer um pequeno complemento. Na parte em que fala do desenho de personagens, os esquemas de pose (frente, verso, etc...) são chamados por aqui de "model-sheet", ou "folha modelo". Geralmente traz 8 poses básicas de corpo inteiro, além de um número não estabelecido de cenas aleatórias, de movimentos e expressões.

    Na parte sobre "Sakuga", o desenhista que se especializa em poses intermediárias de uma cena de animação é o "inbetweener", chamado no Brasil de "intervalador". Os melhores intervaladores acabam virando animadores mesmo. Conheci alguns desenhistas intervaladores e o trabalho deles é bem duro e acaba nunca sendo reconhecido, pois o animador é que faz as etapas-chave do movimento. O intervalador irá dar fluidez, e é o orçamento que define quantos desenhos de intervalo cada cena irá ter. De todos os processos, o de intervalação é o mais ameaçado pela I.A.

    É isso. Obrigado por mais uma grande e elucidativa matéria.

    Abraço!!

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    1. Obrigado, Nagado!

      E bom ter informações de quem tem mais intimidade com os processos. Tem vários termos que eu realmente não sabia que já existiam em português. E quanto mais conhecimento melhor!

      Na verdade a concisão é minha, pois o diretor Otsuka descreve de forma bem mais detalhada sobre os processos e aborda muito mais assuntos. Trouxe só o essencial, também para estimular a compra do livro para quem quer saber mais. E na esperança de que alguém traga para cá.

      Interessante o uso da I.A. na intervalação, porque uma vez vi uma sequência de transformação de Precure aperfeiçoada com essa tecnologia, adicionando mais quadros, feita por um fã. E deu uma sensação de estranheza, não só em mim, como em quase todo mundo que viu. Não pareceu ter ficado bom. Uma explicação é que os animadores escolhem quais quadros usar e que tipo de movimentação vai passar ao espectador o que eles querem transmitir.

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Peço que os comentários sejam apenas sobre assuntos abordados na matéria. Agradeço desde já.

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