quarta-feira, 15 de novembro de 2023

便女神 - Benjogami - Keiichi Hasegawa

Saudações.

Desta vez vou falar do romance literário 便女神 (Benjogami, algo como A Deusa do Banheiro), escrito por Keiichi Hasegawa.


Desde antigamente, Hikaru Setoguchi sente misteriosas e fortes dores de barriga quando fica nervoso. E por causa disso, acaba falhando em todas as entrevistas de emprego. Após perder toda sua esperança ao ser reprovado de novo, acaba se encontrando com mais uma desgraça ao correr para um banheiro público em um parque. O espírito de uma garota, que se intitula a Deusa do Banheiro, passa a assombrá-lo. Ela então faz uma proposta para Hikaru, aterrorizado com a situação: "Se não quiser que eu te mate com uma maldição, você vai exorcizar uns espíritos maus comigo". E assim, sem ter direito de escolha, Hikaru é envolvido em estranhos casos causados pelo espíritos malignos Reima. Por trás de cada caso, se entrecruzam vários rancores e tragédias. E o que o aguarda é um final inimaginável, um grande segredo envolvendo um violento incidente que aconteceu há dezessete anos...

(Tradução rudimentar da sinopse do livro)


Pela sinopse parece se tratar de uma série cômica, especialmente devido ao grande ponto fraco do personagem principal. E justamente isso levá-lo a conhecer o que se pode chamar de uma "Deusa do Banheiro", que no final do primeiro capítulo se apresenta como "Hana". Porém aos poucos a história vai ficando cada vez mais densa e sombria.

Ela lhe impõe a missão de enfrentar terríveis entidades demoníacas, os Reima (霊魔 , algo como "Espírito Demoníaco"), que se alojam em seres humanos com fortes sentimentos negativos, dando-lhes os poderes que eles desejam para aplacar seus rancores. Mas que com o tempo se tornam cada vez mais sanguinários e passam a matar de forma indiscriminada, sem ter algo a ver com o rancor do hospedeiro.

Hikaru é o típico protagonista "frouxo", negativista e que tem medo de encarar desafios. Mas ao investigar sobre os Reima, vai se desenvolvendo, ganhando mais atitude, sendo que no começo ele simplesmente fazia o que Hana mandava. Ele também passa a compreender Hana e suas motivações, assim como se conscientizar de um trauma que não sabia que tinha, até que no final tem a oportunidade de ser um Herói também.

Já Hana é uma garota de gênio forte e que tem bastante atitude, exortando Hikaru a agir. Ela normalmente veste um traje mais próximo ao dos humanos da época atual, bem diferente da capa do livro. Hana age como uma "irmã mais velha", uma espécie de mentora para o jovem, dando-lhe habilidades especiais, e gradualmente vai fornecendo cada vez menos ajuda e reduzindo suas aparições, forçando-o a resolver os casos sozinho, pensando com sua própria cabeça.

Ela tem vários poderes, entre eles o de se mover de banheiro em banheiro, passando pela privada, mais ou menos como em Super Mario Bros., quando o jogador entra em um cano para aparecer no outro, como descreve o próprio Hikaru.

Ele supõe que o nome dela é baseado na lenda da "Hanako do Banheiro". De fato, Hana tem a mania de sempre ver o mesmo capítulo de um desenho animado com essa lenda urbana, figurada como uma super heroína que salva um menino que vem pedir sua ajuda. E também impõe a Hikaru sempre comer espaguete do tipo Naporitan enquanto ela fica só olhando, já que a "Deusa do Banheiro" não pode comer por ser um espírito. Manias bem estranhas, porém Hikaru nota que nessas duas ocasiões, Hana tem um olhar triste...

A construção dos personagens é sólida e as interações de Hikaru e Hana são divertidas, com diálogos bem engraçados. Como quando os dois se encontram pela primeira vez e Hikaru faz de tudo para se convencer de que Hana é uma ilusão e a ignora, porém sem sucesso. Pois apesar de ser invisível e intangível para outros humanos, ela é bem real para Hikaru, demonstrando isso com um chute em sua cara que dói de verdade. Daqui já fica bem claro como vão ser as coisas entre os dois e quem é que manda.



O livro é composto de um prólogo, contando sobre como Hikaru e Hana se encontraram, mais quatro capítulos, cada um com um caso para os dois resolverem, e um epílogo, contando o que aconteceu depois. 

Cada vez que um Reima aparece, Hana dá a Hikaru três palavras-chave, que ele usa para buscar na internet por informações sobre casos misteriosos ou sem solução. Daí então é feita a investigação presencial, indo aos lugares onde esses casos aconteceram e colher pistas para saber quem é o hospedeiro do Reima.

Hana, com seus poderes, consegue fazer com que Hikaru consiga se infiltrar em qualquer lugar, se passando por uma pessoa do local, como por exemplo, um funcionário de uma grande empresa ou como um policial. E o melhor, Hikaru consegue as habilidades de executar perfeitamente as funções da profissão que incorpora e é visto pelos "colegas" como um funcionário competente mesmo sem ter se encontrado com eles, como se fizesse parte do local desde o começo. 

Hana fica por perto e só pode ser vista por Hikaru e dá algumas dicas, mas na maioria das vezes pergunta ao rapaz o que ele pensa da situação. E em várias ocasiões o manipula para espalhar pistas falsas e com isso induzir o possuído a ir até onde Hikaru está. Falando rápido, o usa de isca.

Quando eles encontram o Reima, é hora de Hana entrar em ação e enfrentar o hospedeiro, transformado em um monstro, com uma espada de energia espiritual. Hana tem muita habilidade na luta e consegue vencer o inimigo, fincando a espada no Reima e libertando o hospedeiro.



A história em si é bastante comum, de um jovem sem muita coragem ou atitude se encontrando com uma garota misteriosa e superpoderosa que faz seu cotidiano virar de cabeça para baixo. De fato, lembra algo dos anos 1990, recheado de histórias com esse mesmo argumento básico. Mas a grande diferença está na execução, feita com maestria por Hasegawa.

O primeiro caso envolve pessoas que foram jogadas do alto de edifícios, supostamente por um monstro, mas ninguém acredita. Hikaru nota que uma das vítimas era um dos entrevistadores da empresa onde ele procurou emprego, mas foi rejeitado.

Eles então percebem que todas as vítimas trabalham no departamento pessoal de alguma empresa que fizeram entrevistas de admissão recentemente. E ao investigar mais a fundo sobre os candidatos, usando os poderes de infiltração dados por Hana a Hikaru, descobrem que o possuído é um candidato que foi rejeitado, apesar de ter um bom currículo escolar, estudando em uma faculdade de primeira linha.

O normal seria pensar que o culpado fez isso por orgulho, vaidade ou egoísmo, mas não é tão simples. O possuído passou por uma situação desesperadora em que viu seus esforços serem em vão e perder o que tinha de mais valioso. E que foi movido por esse desespero que acabou sendo dominado pelo Reima. Ou seja, no começo não era uma pessoa má, mas que acabou se corrompendo. Mesmo assim ele tem sua punição.

No segundo caso, atores que trabalham fantasiados de personagens infantis em parques de diversões de repente começam a atacar a plateia, incluindo crianças. Ao investigar, todos dizem ter visto uma pequena sombra antes de perderem o controle de seus atos. Os atores se culpam pelo que aconteceu e se deprimem, pois eles só queriam fazer as crianças sorrirem, porém acabou acontecendo o contrário.

Os atores foram claramente controlados pela entidade espiritual, mas mesmo assim eles são demitidos e os personagens são retirados das apresentações em parques de diversões. Isso revolta Hikaru, que declara que não irá perdoar de jeito nenhum quem estiver por trás disso. Mas tem de engolir suas palavras ao descobrir quem foi, saber de suas motivações, por que atrocidades passou, e ver que não tinha condições de fazer julgamentos.

O terceiro e o quarto casos são uma história em duas partes, que revela que todos os incidentes até agora tinham uma ligação com um massacre ocorrido há dezessete anos por um psicopata. E isso tem a ver com Hikaru e até mesmo com a própria Hana. É nessa parte que o passado dos dois vai sendo desvendado aos poucos, as peças vão se juntando e tudo passa a fazer sentido. Todas as coisas têm uma razão de ser, inclusive alguns elementos que pareciam ser irrelevantes.

É aqui também que Hikaru vê que a justiça, quando levada a extremos, se torna mal. E também a psicose que se manifesta dentro do coração das pessoas, e leva a atos brutais e cruéis por motivos banais, com más intenções. Esse sim, o verdadeiro Mal que ele terá de enfrentar para poder reconquistar sua coragem e buscar seu futuro.



Keiichi Hasegawa é um roteirista cujo trabalho é bem conhecido dos fãs de Anime e Tokusatsu, em especial nas séries Ultra, das quais ele participa desde Ultraman Tiga em 1996 até Ultraman Ginga em 2013, tanto nas séries de TV quanto nos especiais de cinema. Na Tsuburaya ele também escreveu todos os episódios das séries de anime SSSS.GRIDMAN e SSSS.DYNAZENON, assim como o especial de cinema Gridman Universe. E trabalhou nas séries Kamen Rider em Kamen Rider WKamen Rider FourzeKamen Rider DriveKamen Rider GhostKamen Rider Saber e agora está em Kamen Rider Gotchard.

Hasegawa também escreveu vários romances literários das séries Ultra, sendo que este, Benjogami, é sua primeira obra original nesta mídia. E ele fez um bom trabalho, sem as restrições que são comumente impostas a esses programas, e do jeito que queria. De fato, no 2º Caso tem uma parte que requer bastante estômago para se ler e que jamais passaria pelo crivo das regulações atuais. E as circunstâncias envolvendo a origem de Hana são revoltantes.

Benjogami tem vários dos temas que Hasegawa costuma abordar em outras obras, como as Trevas no coração das pessoas, que pode se manifestar devido a algum fator, a relatividade da justiça, que pode se tornar mal se for desmedida, assim como a loucura e a psicose, algumas vezes colocando o protagonista em uma situação desesperadora. Mas sempre deixando espaço para a esperança com o seu lema, あきらめるな!!(akirameruna!!, "Não desista"), com isso superando os obstáculos.

Também foi essa a palavra que o impulsionou a publicar o livro, que originalmente foi feito tendo em mente um filme para cinema, mas que não foi realizado. Ele chegou a mostrar seu trabalho para muitas pessoas, que gostaram, porém não conseguiu encontrar alguém que publicasse. Sendo assim, ele pagou a impressão e a publicação do próprio bolso. E teve uma recepção boa, ainda que por um público pequeno que se interessou em ler.



Aqui foi possível ver a verdadeira força de Keiichi Hasegawa, que consegue contar uma história com um argumento bem comum, porém executada com competência, apresentando boa química entre os personagens principais. E o melhor de tudo é que a história tem um final realmente, em que todos os conflitos são resolvidos e todas as perguntas são respondidas, com explicações até para elementos inesperados. Até dá até margem para que haja uma continuação, mas sinto que não teria tanta graça, pois toda a história de Hikaru e Hana já foi contada e fechada.

Existem alguns erros de revisão, como por exemplo o nome de Hana ser mencionado antes dela se apresentar. E um de grafia, com um kanji a mais em uma palavra. Talvez pelo fato de Hasegawa ter feito quase tudo sozinho. Mas isso não é algo tão relevante e deve ter sido consertado em edições posteriores.

O livro tem 363 páginas, incluindo o prólogo, o epílogo e os quatro casos que Hikaru tem que desvendar. Cada página tem até 16 colunas com um máximo de 40 caracteres cada. Requer conhecimento intermediário de japonês e contém algumas partes com trocadilhos, intraduzíveis. Não tem ilustrações, a não ser na capa e na contra-capa, que mostra um banheiro público feito de madeira, que era comum no Japão. A primeira edição é de 26/04/2021, que é a que tenho comigo.

4 comentários:

  1. Escritora ao dispor e que bom que o Hasegawa botou no papel a ideia desta obra. Compreendo perfeitamente quando você quer escrever algo, pegar elementos que curta e mesmo que seja uma trama comum à primeira vista, consegue identificar o estilo do autor.
    Duplas de personagens até que é bem comum, sejam os protagonistas, algum personagem do elenco ou algum secundário de destaque. Tem muitos assim em diversas mídias, nem teria como citar boa parte disto.
    Quanto a trama deste livro, melhor que seja algo mais clichê e simples que vira ao longo da trama que querer ser revolucionário e falhar miseravelmente, sem perder a consistência. A dupla de protagonistas tem uma vibe meio "Ushio to Tora" que é um bom exemplo de shounen de batalha direto ao ponto e com temática sobrenatural tem seu lugar nas histórias. Legal conhecer esta obra.

    Muito bem, fico feliz que o Hasegawa esteja trabalhando em "Kamen Rider", depois dos tempos que esteve presente na Franquia Ultra. Engraçado como estas duas franquias se cruzam por aí, o que deve explicar como pessoal que esteve em Kamen Rider pinta em Ultra e vice-versa: saquei por causa dos capitães desde "Ultraman Trigger", metem um ator que esteve por lá, apesar do histórico ser de longa data. Agora quanto ao "Kamen Rider Gotchard", bem, não tenho visto, só acompanhando reviews e comentários de quem está vendo: não caiu no gosto do público, tem boas ideias ali e acolá, contudo, algo não parece estar certo ao plot da série. Vai ter mudanças pra manter a relevância, mas, vamos torcer que saia da má impressão inicial. Se cuide aí e até mais!!!

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    1. Obrigado, Escritora!
      Uma enredo mais simples, sem grandes malabarismos, também ajuda a trazer mais leitores, que podem entender com mais facilidade. É como dizia Yuji Kobayashi no livro dele sobre Tokusatsu. E realmente é mais fácil de trabalhar e elaborar.

      A relação entre os dois é bem mais camarada, já que a Hana não ameaça tanto o Hikaru. E a luta fica totalmente nas mãos dela. Mas ainda assim é uma relação que rende bons diálogos e interações.

      Realmente Gotchard ainda está bem irregular. E vi em uma entrevista com o produtor que como a premissa é de ser alegre e divertida, ele e o outro roteirista, o Hiroki Uchida, têm que segurar o Hasegawa às vezes quando ele leva para o lado sombrio. Mas Gotchard tem uns episódios que gostei, como o da luta-livre e o mais recente, duplo, da excursão em Kyoto. Nesses deu para reconhecer o estilo do Hasegawa.

      Mas deu para ver em Benjogami e no romance que ele escreveu baseado no mangá ULTRAMAN, com o ZERO-Suit (baseado no Ultraman Zero) que é um roteirista competente. Que sabe conduzir a história, com começo, meio e fim, e amarrando as pontas no final. Então vai saber como vão ficar as coisas em Gotchard? Pode ser que até então era tudo preparação e uma hora troquem a marcha.

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  2. Caramba que interessante, espero um dia ver isso em outra mídia, pois tem potencial, e como recentemente tenho visto muitos estúdios e produtoras investindo em adaptações de obras pequenas, sejam mangás curtos ou novels, se pá veremos uma franquia nascendo disso aqui né? com ele como roteirista e consultar, deve dar algo legal.

    Ao final fui surpreendido por saber que ele é escritor dos animes de Gridman, tirando o filme que ainda não vi, achei seu trabalho no geral bem competente, e pelo resumo desse livro, consegui pescar um pouco do estilo de narrativa do escritor.

    Me admira saber que ele bancou a publicação, e me deu ainda mais folego pra ir em frente com meu sonho de escrever meus próprios trabalhos em livro e quadrinho... mas ainda tenho muito bloqueio criativo, coisa que tenho que lidar...

    Enfim, obrigado pela resenha, nunca que eu saberia da existência dessa obra.
    Pergunta, você teria interesse de ler algo do autor NisioisiN? pois tirando as suas series mais famosas (Monogatari, Katanagatari e Zaregoto), ele trabalhou com muitas novels de volume único, indo de ação, mistério, horror, aventura, comedia, drama, garotas mágicas, non sense etc. talvez você se ineteresse e goste de algo, fica a dica.

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    Respostas
    1. Obrigado, André!
      Quem sabe um dia isso não vira uma obra audiovisual, seja como filme, série ou anime? Ultraman Nexus, uma das maiores obras do Hasegawa demorou anos para ser reconhecida, já que na época em que foi exibida foi considerada um fracasso. E o lema dele é esse, o de não desistir.

      Nem todo mundo consegue realmente criar coisas. E um profissional não pode se dar ao luxo de ter bloqueios criativos. Mais uma vez em Ultraman Nexus, o Hasegawa teve muito trabalho para fechar toda a história quando soube que a série ia ser cancelada. Então teve que por a cabeça a todo vapor. Mas por hobby não precisa ter tanta preocupação.

      Já tenho bastante coisa para ler agora e por isso só vou atrás de gente que tem a ver com Tokusatsu ou com Precure. Nem sei se um dia vou conseguir, já que as coisas andam meio apertadas por aqui, então não posso prometer nada. Desculpe por isso.

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