terça-feira, 22 de outubro de 2019

NERO! - A História de Susumu Kurobe

Saudações.

Hoje (22/10/2019), o ator Susumu Kurobe, o Hayata de Ultraman, completa seus 80 anos de idade. Sendo assim, vou falar um pouco do início de sua carreira e de seu trabalho no seriado. Para isso me baseio em seu depoimento no livro 証言!ウルトラマン (Shougen! ULTRAMAN, algo como "Testemunho")




Susumu Kurobe nasceu em 22/10/1939 na cidade de Kurobe, na província de Miyagi, no Japão. Seu nome verdadeiro é Takashi Yoshimoto e o artístico vem de sua cidade natal. Além de Hayata em Ultraman, interpretou vários vilões em séries da Toei como o Dr. Kuromatsu em Kamen Rider BLACK e o Dr. Onikichi Kuroda em Esquadrão Especial Winspector. Curiosamente todos esses personagens têm "Kuro" ("preto", em japonês) no nome. Não se sabe se isso é por acaso.

É o pai de Takami Yoshimoto, que interpretou Rena Yanase em Ultraman Tiga. Ele foi contra a entrada de sua filha no mundo artístico, mas foi convencido por sua mulher a deixá-la prosseguir. Diferente do pai, ela usa o nome verdadeiro. Quando foi aprovada para ser a Rena, pensou em recusar, mas desta vez, Kurobe ficou muito contente e ela então aceitou.


O Engraxate Sonhador



Kurobe conta que queria ser ator já desde que estudava no colegial. Mas como seu pai era professor, ele tinha que se formar na mesma área e foi com essa promessa que ele foi estudar na Universidade. Kurobe estudou a sério por um ou dois anos, mas no terceiro, passou a frequentar grupos de teatro, tendo mais convicção de que esse era seu sonho. Ele queria muito entrar no ramo, mas não como diretor ou contra-regra, mas como alguém que aparece para o público, representando.

Como é de costume, Kurobe começou de baixo. E ao mesmo tempo, trabalhava como engraxate. Nisso, ele se encontrou com um homem que lhe perguntou o que fazia da vida. Kurobe respondeu que estava trabalhando no teatro, mas precisava fazer bicos para se sustentar. O homem então lhe disse que estavam fazendo uma audição para novos atores, a Toho New Face e sugeriu que experimentasse. Esse homem era o diretor Kajiro Yamamoto, que trabalhou em vários filmes com o famoso comediante Kenichi Enomoto, o EnoKen. E também dirigiu ハワイ・マレー沖海戦 (HAWAII MALAY Oki Kaisen, algo como "A Guerra no Mar do Havaí a Malásia), o filme que fez o nome de Eiji Tsuburaya, que seria conhecido como o Grande Mago dos Efeitos Especiais do Japão.

Yamamoto lhe deu o endereço do local da audição e Kurobe foi aprovado, se tornando um dos New Face da Toho, em 1962. Mas Kurobe fora expulso de sua moradia por estar com o aluguel atrasado e não conseguiu receber o aviso de sua aprovação. A Toho tentou desqualificá-lo por isso, mas Yamamoto interveio e se tonou seu tutor.


NERO!

Uma vez na Toho, era possível escolher entre três setores: o "Artístico", o "Televisão" e o "Cinema". Kurobe escolheu o setor de cinema e seu primeiro trabalho foi em 1963 com 六本木の夜 愛して愛して (Roppongi no Yoru Aishite Aishite, "Amando e amando nas noites em Roppongi") com seu nome verdadeiro, Takashi Yoshimoto. Ele usaria seu nome artístico a partir de 暁の合唱 (Akatsuki no Gasshou, "O Coro do Entardecer"). Mas isso já era na época em que o cinema estava em declínio e a televisão estava ganhando espaço.

No cinema, a Toho investia em três tipos de filmes: os de ação, estrelados por Tatsuya Mihashi, os baseados em obras literárias, com Akira Takarada (que mais tarde participaria de vários filmes de Godzilla) e os juvenis, com Yuzo Kayama. Kurobe achou que iria fazer filmes juvenis, devido a seus trabalhos anteriores, mas acabou sendo colocado mais nos de ação, interpretando vilões. E em 1964, participou de Ghidorah, the Three-Headed Monster, de Ishiro Honda, interpretando um assassino (não o Malmess) cujo alvo era a Princesa Selina, interpretada por Akiko Wakabayashi. A futura Bond Girl então deu a Kurobe um apelido: "Nero". Pois o "Kuro" de "Kurobe" em italiano seria "Nero". E era assim que o chamavam nos bastidores. Especialmente Wakabayashi que dizia "NERO! NERO!"

Kurobe conta que as condições de trabalho na Toho eram muito boas, com direito a condução de carro e a banhos, de acordo com o nível do ator. Eles realmente se preocupavam em tratar bem os atores. O diretor que Kurobe mais respeitava era Katsuki Iwauchi. E o filme que ele mais gostou de participar foi けものみち (Kemono Michi, "Trilha de um animal") do diretor Eizo Sugawa, no papel de "Takashi Kuroya", o que lhe rendeu elogios em colunas jornalísticas.


Você se transformará no Ultraman (ou "Não precisa se preocupar")



Segundo Kurobe, na época havia um acordo entre as produtoras de filmes de que os atores e diretores de uma empresa não poderiam participar de obras de outra. Por isso, ele não sabe exatamente como foi parar na Tsuburaya Productions, em que teve que participar do episódio 8 de Ultra Q. Esse foi seu primeiro trabalho na televisão e havia muita gente da Toho lá, mas ele mesmo não se lembra de como foram as coisas e nem a história. Talvez alguém da Tsuburaya tivesse pedido o ator emprestado e como ele era novato, foi cedido sem entraves. Mesmo assim ele percebeu que altas cifras estavam envolvidas na produção do episódio. E nisso, um dia a empresa lhe entregou um roteiro, de repente, dizendo que esse seria seu trabalho a partir de então. Esse roteiro era o de Ultraman.

Foi realmente algo súbito. Nem sequer lhe deram informações sobre os conceitos. Apenas que ele seria o personagem principal do seriado. Ao saber mais detalhes, Kurobe ficou desnorteado e inseguro se iria conseguir. E era um seriado de um Super Herói gigante, algo que nunca foi feito anteriormente. Algo diferente do Super Homem americano e do Kurama Tengu japonês. Demorou um pouco para que o ator absorvesse o que estava acontecendo. Mas olhando agora, ele percebe que foi um seriado bem feito.


A Patrulha Científica

Kurobe atribui parte do sucesso do seriado aos atores que faziam a Patrulha Científica. O grande segredo era o equilíbrio que havia entre os personagens e o entrosamento entre os membros do elenco principal.

Ele revela que no começo, o papel de Ide (Ito) era de Susumu Ishikawa, famoso por cantar o tema de Obake no Q-Taro. Mas participou apenas por dois dias e abandonou o seriado, sendo substituído por Masanari Nihei. Funcionou mesmo assim, pois suas interações com Sandayu Dokumamushi, o Arashi eram excelentes. Também havia a presença feminina de Hiroko Sakurai, a Fuji. E Akiji Kobayashi, o Capitão Muramatsu, era uma espécie de líder do elenco, que fazia a moderação quando os mais jovens cometiam excessos. 

Foi um período em que Kurobe teve contato com várias experiências novas. Uma delas foi a de fazer a gravação das falas depois das filmagens, "dublando" a si mesmo novamente. Isso era comum na televisão, diferente das obras para cinema, em que a imagem e o som eram gravados ao mesmo tempo. Nessa ele teve a orientação de Kobayashi, que o guiou com severidade, porém com carinho ao mesmo tempo.



Revelações de Bastidores

Mesmo assim, o trabalho em Ultraman era duro. Kurobe não pegou nenhum trabalho no ano em que era Hayata, tendo que se dedicar totalmente ao papel. Tinha de ir de ônibus de sua residência em Shibuya para o estúdio de filmagens e de lá partir para os sets e para as locações. O ator conta que nunca teve que "enfrentar" um monstro diretamente (trabalho de Bin Furuya, o ator que vestia a roupa do Ultraman), mas ainda assim era necessário correr muito, tropeçar e até mesmo fazer a cena de transformação debaixo d'água.

O ator revela que o primeiro capítulo a ser filmado, o segundo, O Ataque dos Baltans, dirigido por Toshihiro Iijima, demorou mais de um mês para ser feito. Bastante tempo, considerando que um episódio de 30 minutos normalmente levava uma semana para ser filmado. Em Ultraman, realmente se gastava tempo, pois havia muitos atrasos. No começo em especial, isso acontecia com frequência, pois nem o cenário da base da Patrulha Científica ainda estava pronto.

E Kurobe confirma que Eiji Tsuburaya era altamente minucioso, checando com rigidez cada cena. E quando algo estava abaixo de seu padrão de qualidade, era preciso filmar tudo de novo. Mas ele não dava nenhuma instrução para os atores das cenas comuns. Só os das partes com efeitos especiais. Tsuburaya deixava o trato com os atores com o diretor.

Mesmo assim, Kurobe lamenta o fato de nunca ter conversado com os diretores e roteiristas sobre assuntos informais, fora do trabalho. Ele admite que não era por estar ocupado, mas sim por não ser muito bom para falar com pessoas. Embora isso também se devesse à certa imaturidade, já que ele era jovem.

Foi um ano bastante exaustivo, sem tempo para atividades particulares. Não havia muitos benefícios para o elenco e a equipe, diferente da época da Toho. As refeições eram bem ruins, só com arroz, ameixa curtida e picles em conserva. De vez em quando uns brotos de bambu, mas ainda assim não era lá muito gostoso. E quando tudo terminou, ele sentiu um grande alívio, pois "finalmente foi libertado".

Kurobe conta que nesse tempo, estranhamente nunca foi reconhecido na rua. Ninguém o parava perguntando se ele era o Ultraman. Talvez porque nessa época, as crianças eram mais inocentes e atores eram entes distantes, dos quais não se chegava perto. Só nos tempos atuais é que as pessoas passaram a cumprimentá-lo na rua dizendo que eram seus fãs e que o conheciam de Ultraman.


Uma Obra Eterna

Mesmo assim Kurobe fala que apesar das condições precárias, nada foi realmente ruim. E que ele se orgulha de ter participado de um seriado que ainda é lembrado mesmo depois de mais de 50 anos. Enquanto estava nas filmagens, não se dava conta disso, mas agora, depois de envelhecer e amadurecer, ele percebe que foi bom ter trabalhado em Ultraman.

O ator mesmo não se lembra de muita coisa, já que se passaram mais de 50 anos. Mas um episódio que o impressionou foi o 30, com o Woo. Houve várias cenas em que o personagem esquiava e algumas foram feitas com dublês, mas a maioria era com os próprios atores. E teve o episódio 37, em que Hayata estapeava Ide. Ele tem uma lembrança, ainda que vaga de ter que agredir seu colega Nihei, mas ainda assim era uma amostra de que a obra descrevia bem os sentimentos humanos.

Não foi só nesses episódios, mas Kurobe sentia que os diretores, entre eles Akio Jissouji, não estavam fazendo apenas um programa infantil. Era algo que tinha uma mensagem, que tinha alma. E que talvez seja por isso que Ultraman ainda é lembrado e tenha o apoio dos fãs mesmo depois de tanto tempo.


6 comentários:

  1. Então o Hayata tem uma fiha chamada Rena?! O mundo dá voltas hehehehe!
    Bacana a história dele no mundo artístico, esse estava tão destinado a se tornar herói que nem estava preparado para algo tão importante. Deve ser muito louco para um ator simplesmente cair em um papel principal sem aviso prévio, com certeza na hora ele nem imaginou que se tornaria um herói tão icônico.
    O mundo artístico não é só glamour como muitos pensam, taí o relato do Kurobe para provar isso, nem as refeições eram boas. Já vi relatos de atores dizendo que no começo é complicado mesmo, e que alguns só recebiam umas bolachinhas pra comer.

    Imagino a aflição de levar mais de um mês para gravar um episódio de 30 minutos, deve dar a sensação de que o projeto não vai dar certo. Em tempos que se contava apenas com efeitos práticos a coisa com certeza era bem mais difícil e demorada!

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    1. Obrigado, Ronin!

      Pois é. O Shimizu e o Shimoguchi usaram essa referência do Kurobe ter interpretado o Hayata e a filha dele a Rena. Mas não sei até que ponto, já que ainda tem aquilo do Bemular dizer que o Shinjiro não é filho do Hayata no primeiro capítulo. Então quem será o filho do Hayata? Morreu ou é a Rena. Se bem que...

      As coisas acontecem de forma inesperada. Ninguém sabia se Ultraman ia dar certo ou não. Foi tudo uma grande aposta e desta vez acertou. Aliás, acertou bem demais, embora no meio do caminho tivesse tido seus percalços. E quase acabou por um tempo. O próprio Kurobe é outro que ralou bastante e essa é a prova de que é assim que se consegue as coisas.

      E pensar que na época do Ray Harryhausen era pior ainda, com a animação de bonecos. Levava-se anos para se fazer um filme. E no anime também era assim. Longa-metragens precisavam de anos para serem feitos. Atualmente só precisa de alguns meses. Embora haja alguns que estão demorando bastante para sair, desde que foram anunciados.

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  2. Legal saber desses bastidores do ator que encarnou o primeiro dos Ultras.
    Engraçado ver como as coisas foram mudando no quesito comportamento, nesse caso me refiro aos fãs, e tambem ao tratamento dos atores, hoje em dia é impensável a produção deixar a galera desinformada ou de tão de lado rs.

    Curioso perceber que o senhor Tsuburaya era o nerd dos efeitos especiais, com certeza ele punha bastante fé no trabalho dos diretores.

    Tenho uma pergunta: Você teria conteúdo para alguma futura matéria relacionada a Gorenger especificamente? Estou vendo-a tambem, alem de Ultraman e Ultra Q, e gostando do que venho assistindo.

    Obrigado pelo texto.

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    1. Obrigado, André!
      Na época "era tudo mato", como dizem por aí. Então muita coisa era diferente de agora. Mas dava para ver um padrão, como chamar atores de boa aparência e iniciantes. Koji Moritsugu, o Dan Moroboshi/Ultraseven era modelo e na verdade queria ser estilista.

      Tsuburaya foi o grande inventor do que a gente chama agora de Tokusatsu. Ele era um verdadeiro gênio, com ideias mirabolantes para fazer a coisa parecer de verdade.

      Gorenger eu tenho pouca coisa. Tem essa do S.H. Figuarts do Akarenger: https://usys222.blogspot.com/2015/01/sh-figuarts-akarenger.html Lá eu falo um pouco como eu conheci.

      Tem também essa do Tohru Hirayama, um dos responsáveis pela criação de Kamen Rider e Gorenger junto com o Ishinomori: https://usys222.blogspot.com/2014/10/o-testamento-de-um-produtor-chorao.html Fala pouco de Gorenger, mas tem um monte de outras histórias legais que mostram como as coisas se tornaram o que são agora.

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  3. Ele me parece ter uns traços meio ocidental será que estou errado? será que ele tem outra origem fora a japonesa?

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    1. Obrigado pela visita!

      Tem uma história de que Koji Moritsugu, ao ver o Kurobe pela primeira vez, realmente sentiu que ele tinha traços que fugiam aos padrões de um japonês típico. E tem gente que diz que Takami Yoshimoto também tem traços ocidentais.

      Só que não se sabe se ele tem ascendência ocidental ou não. Pode ser um caso como a Mao Ichimichi, que também é confundida com descendente de ocidentais, mas é simplesmente japonesa.

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Peço que os comentários sejam apenas sobre assuntos abordados na matéria. Agradeço desde já.

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